
Há uma cena icônica em O Lobo de Wall Street em que Jordan Belfort entrega uma caneta a um colega e diz:
“Me venda esta caneta.”
A provocação é simples, mas genial. A maioria tenta descrever a caneta “ela é bonita”, “tem boa pegada”, “escreve bem”. Mas Belfort interrompe: nada disso importa. O verdadeiro vendedor cria necessidade, não descreve o produto.
Essa cena virou metáfora universal para o poder da narrativa sobre o valor. E é exatamente aqui que entra a Inteligência Artificial, ou a caneta com IA.
Nos últimos anos, a Inteligência Artificial deixou de ser apenas tema de ficção científica para se tornar o eixo central da transformação econômica e tecnológica global. Empresas bilionárias se reestruturam em torno dela, investidores correm para participar da “revolução”, e governos tentam acompanhar o ritmo frenético das inovações, como na época da Guerra Fria, mas desta vez, ao invés de armas nucleares estão apostando em uma soberania tecnológica.
Mas entre tanto entusiasmo, surge uma pergunta incômoda, estamos vivendo uma bolha da IA?
Toda bolha especulativa nasce de um mesmo impulso humano: a combinação entre inovação, ganância e medo de ficar de fora, o famoso FOMO (Fear Of Missing Out), que motivou cheques de centenas de milhões de dólares por parte dos investidores, criando uma febre em meados de 2020. No caso da IA, o movimento é claro, startups sem produto viável recebem milhões apenas por prometer “algoritmos revolucionários”, e empresas consolidadas anunciam projetos de IA para manter a imagem de modernidade perante o mercado.
Esse comportamento é típico de ciclos já vistos na história. No século XVII, a mania das tulipas na Holanda fez com que bulbos de flores fossem vendidos a preços equivalentes a propriedades de luxo. No fim, o mercado desabou e a lição ficou: a percepção de valor pode ser tão volátil quanto a confiança coletiva.
Três séculos depois, o mesmo padrão se repetiu na bolha das “pontocom”, quando empresas com simples páginas na internet receberam avaliações bilionárias, mesmo sem receita. Me lembro nessa época de sites de vendas de passagens aéreas valendo mais que todos os aviões da American Airlines. Quando o entusiasmo se esgotou, o índice Nasdaq despencou e milhares de negócios desapareceram.
Hoje, a Inteligência Artificial parece viver um momento parecido: uma combinação de promessas exageradas, capital abundante e resultados ainda incertos (aplicações práticas).
Temos alguns sinais de uma bolha no setor de IA e podemos observar neste momento sintomas clássicos desse fenômeno:
- Avaliações superestimadas – empresas valem mais pelo “hype” do que pela entrega real. Como exemplo temos a OpenIA com um múltiplo de mercado de mais de 50 vezes.
- Fluxo especulativo – investidores injetam recursos com base em expectativas futuras, não em lucro presente.
- “Vibe spending” – companhias gastam impulsionadas pelo entusiasmo do momento. FOMO nível hard.
- Práticas artificiais de valorização – como o “round-tripping”, em que o mesmo capital circula entre empresas para inflar balanços. Já vimos isso antes na Enron, e não deu muito certo.
- Tudo que tem IA embarcada vale mais (olha a caneta AI novamente).
É o mesmo roteiro visto nas tulipas e nas pontocom: uma corrida cega por participar da próxima grande revolução até que o ar começa a escapar da bolha.
Mas, apesar das semelhanças, há diferenças importantes. A IA não é uma promessa vazia. Ela já está gerando impactos concretos: automação em larga escala, novos modelos de negócios, avanços na medicina e na produtividade corporativa.
Além disso, o ecossistema atual é mais maduro. O sistema financeiro e reguladores estão atentos aos riscos, e há mais consciência sobre a necessidade de sustentabilidade tecnológica.
Ainda assim, o alerta é válido. Como apontou o Fundo Monetário Internacional recentemente, o estouro de uma possível “bolha de IA” poderia causar perdas significativas, ainda que não provoque uma crise sistêmica como a de 2008.
Ou seja, a correção pode vir, mas não necessariamente o colapso (oremos).
O mais provável é que vejamos uma filtragem natural: empresas com fundamentos sólidos continuarão crescendo, enquanto as que vivem apenas de promessa tendem a desaparecer (Darwin explica).
Foi assim com a internet após o ano 2000: depois da grande correção, as sobreviventes Amazon, Google, eBay consolidaram impérios. O mesmo deve acontecer com a IA.
O hype vai diminuir, o capital vai se concentrar e as aplicações realmente úteis permanecerão (Winner Takes It All). A tecnologia não desaparecerá com o estouro, ela sairá depurada e mais eficiente.
Talvez a “bolha da IA” não seja um erro, mas uma fase inevitável da evolução tecnológica. Bolhas, afinal, são o preço que pagamos pela pressa em inovar. Na bolha das pontocom, apesar da quebradeira das empresas de TI, tivemos um legado que é usado até hoje, que foram os cabos de fibra optica que conectaram todo o mundo, ou seja, por pior que seja a bolha, sempre irá sobrar algum legado positivo.
Assim como a mania das tulipas não acabou com a botânica, e a bolha das pontocom não destruiu a internet, a Inteligência Artificial seguirá firme, mais realista, mais madura e, talvez, mais próxima de cumprir o que promete.
Em resumo, apesar de indicadores que possuem convergência para uma bolha ou para uma possível realização agressiva, acredito que estamos longe deste cenário, pois a IA é uma evolução constante que está apenas no começo, uma vez que as transformações envolvidas e na velocidade que elas estão ocorrendo (principalmente com investimentos/incentivos governamentais), a tendência é que os negócios continuem ocorrendo com cifras bilionárias, até o ponto da seleção natural mencionada acima. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.
Marcos Guirro é Diretor na Quadra Softworks, apaixonado por Mercado Financeiro, inovação e empreendedorismo. Multi-instrumentista nas horas vagas.
Marcos Guirro é Diretor na Quadra Softworks, apaixonado por Mercado Financeiro, inovação e empreendedorismo. Multi-instrumentista nas horas vagas.