Bom dia!
A sexta-feira do Banco Central foi histórica. Em um único movimento, o regulador mexeu no backstage, no palco e na fachada do sistema financeiro. O BaaS ganhou seu “novo testamento”, com regras claras, papéis definidos e a frase que virou mantra: você pode delegar tudo, menos responsabilidade.
As fintechs, por sua vez, entraram num processo de purificação semântica: quem não é banco, não chama bank. E o Open Finance, que por anos prometeu uma revolução suave, finalmente recebeu uma missão concreta, assumir a portabilidade de crédito e transformar um direito burocrático em um botão.
Na Let’s Money de hoje:
- 🔮 O novo testamento do BaaS: BC cria marco definitivo, proíbe subcontratações e deixa claro que responsabilidade não se terceiriza, mudando o jogo para fintechs, bancos digitais e plataformas;
- 🏷️ Nome é nome: fintechs terão de abandonar o “bank”: Nova regra do BC proíbe termos bancários para quem não é banco; Nubank, PagBank e Will Bank podem ter de redesenhar suas marcas;
- 🔄 Open Finance assume a portabilidade de crédito: BC digitaliza a troca de dívidas via API e promete processo mais rápido, competitivo e transparente a partir de 2026.
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O novo testamento do BaaS
A sexta-feira do anúncio do BC marcou um daqueles momentos que o mercado empurrava com a barriga, mas que o regulador resolveu tratar como escritura oficial: o BaaS ganhou seu novo testamento. Depois de anos em que cada player escrevia o próprio evangelho — alguns mais ortodoxos, outros claramente apócrifos, o Banco Central decidiu colocar ordem nas tábuas da lei da infraestrutura bancária. A Resolução Conjunta nº 16 é o capítulo inaugural dessa doutrina: define o que é BaaS, quem pode pregar, quem deve responder e onde termina a parábola e começa a responsabilidade prudencial.
A cena simbólica da virada aconteceu na coletiva, quando o diretor de Regulação, Gilneu Vivan, enunciou o que poderia ser o primeiro mandamento: é possível delegar o que quiser, menos responsabilidade. E, ali, acabou o “parece banco, mas não é”. Acabou a fé cega no marketing. Acabou a liturgia de contas digitais que não deixavam claro quem segurava o risco. A conta passa a ser, sempre, da instituição autorizada, a “entidade divina” do arranjo. A fintech parceira pode até evangelizar a experiência, mas a salvação (ou a penitência) regulatória não pertence a ela.
Quando o BaaS deixou de ser crença e virou doutrina
O movimento não é cosmético. O BC descreve o BaaS com precisão quase catequética: abertura e manutenção de contas, pagamentos, crédito, credenciamento. Todos os sacramentos bancários básicos sob a guarda exclusiva da instituição autorizada, com a conta no nome do cliente. O que antes dependia de interpretação, às vezes mais criativa do que teológica, passa agora a ter letra, forma e perímetro. A relação entre prestadora e tomadora perde o mistério: a fintech deixa de ser “profeta” para ser intermediária; a instituição autorizada assume o papel de guardiã oficial da relação regulatória.
Essa clareza vem acompanhada de um rigor que lembra dogma. Governança vira capítulo central: diretoria responsável, regras explícitas de risco, atendimento, PLD, dados e operação. O BC entra na relação como uma espécie de escriba supremo, com acesso irrestrito a informações e poder de suspender contratos que ameacem a integridade do sistema. O tom é firme, quase litúrgico: infraestrutura financeira não é fé, é engenharia.
Os milagres operacionais que deixam de ser permitidos
É aqui que o texto mexe na estrutura mais sensível do modelo. Se havia um “pecado original” no BaaS, era a subcontratação criativa, aquele cenário em que uma instituição prestava, outra operava, uma terceira fazia o grosso e uma quarta aparecia no aplicativo. O novo testamento corta essa tentação. Serviços centrais não podem ser repassados. Cada tipo de conta tem uma única prestadora. O milagre de transformar três parceiros em um só desaparece do repertório.
O impacto disso é imediato. Para players que viam o BaaS como misto de conveniência e alquimia contratual, o texto complica a vida. Para quem já operava com governança, compliance e risco na mesa, o texto canoniza boas práticas. Doug Storf, da Swap e da ABBAAS, disse que a resolução só consolida um padrão que empresas sérias já seguiam. Em outras palavras: quem seguia a doutrina não teme o novo testamento; quem dependia de interpretações livres vai ter que reescrever o próprio evangelho.
A mudança não é ritual, é estrutural
O BC deu 120 dias, prorrogáveis até um ano, para que o mercado reescreva contratos, ajuste narrativas e reveja suas próprias escrituras. O prazo é curto, mas carrega a mensagem que todo novo dogma carrega: expurga-se a zona cinzenta; define-se a ortodoxia. A Febraban recebeu a norma como avanço necessário. Especialistas chamaram o movimento de divisor de águas. E grande parte do mercado concorda que o modelo precisava, há muito tempo, de um texto oficial.
No fim, a mudança não é apenas técnica; é literária. O BaaS sai da fase oral, das parábolas corporativas e das metáforas convenientes, e entra no território do escrito. O modelo continua sendo peça central da digitalização financeira, mas agora com mandamentos claros sobre quem é pastor, quem é rebanho e quem responde quando o milagre dá errado.
O novo testamento está publicado. A partir daqui, o mercado decide quem vai segui-lo e quem preferia viver na era dos evangelhos improvisados.

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O nome proibido do Nubank

A sexta-feira das resoluções do BC não mexeu só com BaaS. Também abriu um flanco inesperado, e sensível, para algumas das marcas mais fortes do país. Com a Resolução Conjunta nº 17, o Banco Central decidiu que, daqui para frente, nome é nome, e precisa fazer sentido.
Apenas instituições autorizadas a funcionar como banco poderão usar “Banco” ou “Bank” em qualquer peça da própria identidade: marca, nome fantasia, domínio, redes sociais, app, assinatura de e-mail, o que for. A regra parece simples, mas tem efeito direto sobre Nubank, PagBank, Will Bank e todo o conjunto de fintechs que usaram o “bank” como símbolo de modernidade financeira.
Nubank muda de nome?
A pergunta óbvia, e inevitável, apareceu na mesma hora: o Nubank vai ter que mudar de nome?
Tecnicamente, sim: o termo “bank” está proibido para quem não é banco múltiplo. E o Nubank, apesar do porte, da escala e da percepção pública, opera como instituição de pagamento e sociedade de crédito. Não é banco. A marca sabe disso. O regulador sabe disso. O cliente, muitas vezes, não.
O BC diz que essa é exatamente a raiz do problema. A medida não mira o Nubank em si, mas o efeito de marca: quem lê “bank” pressupõe FGC, carteira regulada, produtos típicos de banco múltiplo e uma proteção que não necessariamente existe. A regra quer eliminar ruído. Quer tirar o apelo semântico que aproxima artificialmente modelos regulatórios diferentes. É uma limpeza de vocabulário para evitar que o usuário confunda a experiência com a licença.
Para as empresas, o impacto não é cosmético: é estratégico. Marcas digitais gastaram anos consolidando identidade, awareness e confiança em cima de nomes que agora precisarão ser reavaliados. A resolução dá 120 dias para um plano e até um ano para a execução. É pouco tempo para quem terá de redesenhar campanhas, endereços, URLs, logos e presença digital. É suficiente para quem já esperava o movimento e muita gente esperava.
Sem surpresas
O Nubank afirmou que está analisando a diretriz e reforçou que nada muda para o cliente. A ABFintechs disse que não houve surpresa: a regra já tinha sido sinalizada na consulta pública. Na prática, a mudança é limitada ao nome, mas nome nunca é só nome.
Para empresas que estouraram a bolha do setor e viraram ícones culturais, a discussão passa por branding, posicionamento e leitura de mercado. É a primeira vez que um órgão regulador ameaça mexer na camada simbólica de marcas que cresceram justamente por serem diferentes dos bancos tradicionais.
O ponto central, porém, é de clareza: o BC quer um sistema financeiro onde as palavras importam, principalmente em um cenário em que parcerias, correspondentes e camadas de infraestrutura se misturam rápido demais para o consumidor comum acompanhar. A resolução tenta devolver o básico: que o cliente saiba de forma inequívoca quem é banco, quem não é, e qual tipo de proteção cada modelo oferece.
Se a semana anterior reescreveu o testamento do BaaS, esta resolução reescreve o dicionário das fintechs. E, no novo vocabulário, “bank” volta a ser sinônimo exclusivo de banco. O resto do mercado terá de descascar a semântica, e talvez o marketing, para se adequar.

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O Open Finance assumiu a portabilidade

O BC decidiu que a portabilidade de crédito finalmente precisa entrar no século certo, e colocou o processo dentro do Open Finance. A Resolução Conjunta nº 15 adiciona o serviço ao escopo oficial do sistema, permitindo que a troca de dívida seja iniciada digitalmente, com consentimento via API, autenticação entre instituições e acompanhamento transparente do andamento.
O cliente pode desistir a qualquer momento antes da liquidação, contrapropostas continuam permitidas e só uma portabilidade por contrato pode correr ao mesmo tempo. É, na prática, o fim da jornada analógica que sustentava um dos serviços mais engessados do crédito brasileiro.
O plano do BC é ter o módulo funcionando a partir de fevereiro de 2026, começando pelos empréstimos sem garantia. A expectativa é simples: com menos fricção, a disputa por clientes deixa de ser travada por burocracia e passa a ser definida por preço, prazo e qualidade. A digitalização vira motor de concorrência.
Segundo Fernando Tassin, CEO da BTTech, a promessa é uma portabilidade mais simples e competitiva, com solicitação via app e prazo máximo de três dias úteis. Para o mercado, isso muda o jogo do refinanciamento; para o consumidor, reduz custo com um clique.
Ao mesmo tempo, o BC reforça que o Open Finance deixa de ser vitrine e assume papel estrutural na engrenagem do crédito, integrando regras do sistema às normas do CMN. Em conjunto com as medidas de nomenclatura e com o novo testamento do BaaS, o recado é claro: o ecossistema financeiro ficou grande demais para depender de processos manuais e interpretações frouxas. Se antes a portabilidade era um direito difícil de exercer, agora vira um produto e produto bom se espalha rápido.

Entrevista
Nos vemos na próxima edição!
Agora todas às terças.
Abraços,
Equipe Let’s Money