
Criado na década de 1950, o cartão de crédito foi um dos maiores símbolos da era moderna do consumo. Durante mais de 70 anos, ele representou conveniência, status e confiança. Mas agora, silenciosamente, o velho cartão de plástico começa a sair de cena.
A Mastercard acaba de confirmar o que muitos já vivem na prática: o cartão físico está perdendo o protagonismo, substituído por identidades digitais que vivem nos nossos dispositivos. Os 16 dígitos que marcaram gerações de consumidores estão sendo trocados por tokens digitais — códigos únicos e criptografados que identificam cada compra de forma invisível e segura.
O número, o CVV, o ato de digitar: tudo isso está ficando para trás. E, no lugar do cartão, entra algo mais simples e natural — pagar com o toque, o olhar ou a impressão digital.
O Brasil está pronto para essa virada.Temos mais smartphones do que habitantes, um sistema financeiro altamente digitalizado e uma população que já se acostumou a pagar com o celular — seja via Pix, carteiras digitais ou aproximação. Há milhões de brasileiros, como eu, que já não utilizam o cartão físico para nada. Ele continua existindo, mas apenas como um backup esquecido na carteira.
O que vem agora é apenas a consolidação de uma prática que já está entre nós: o pagamento com identidades tokenizadas, nas quais o plástico deixa de ser o protagonista e passa a ser apenas um coadjuvante.
A cena será familiar para quem já usa o celular como carteira. O consumidor se aproxima do caixa, desbloqueia o telefone com a digital ou o rosto e encosta o aparelho no terminal de pagamento. Nada mais é transmitido além de um token — um código digital único que vale apenas para aquela compra. O número real do cartão nunca sai do cofre digital da bandeira.
A compra é autorizada em segundos. Não há senha, não há digitação, não há risco de clonagem. O terminal recebe uma “chave” que só serve naquele contexto, e mesmo que fosse interceptada, seria inútil fora dali.
Para o lojista, a experiência é ainda mais fluida. O risco de fraude cai praticamente a zero, a taxa de aprovação sobe e o tempo de atendimento diminui. As credenciadoras continuam processando a transação, mas agora operam dentro de um ambiente totalmente tokenizado — sem números expostos, sem CVV, sem cartões físicos.
No comércio online, o processo também muda radicalmente. Em vez de digitar número, validade e código de segurança, o cliente simplesmente clica em “Pagar com Click to Pay” ou escolhe a carteira digital integrada ao site.
A autenticação acontece por biometria ou passkey — geralmente no app do próprio banco. Em segundos, a compra é concluída.
O e-commerce recebe um token de rede — um identificador vinculado ao site e ao usuário — e nunca acessa o número real do cartão. Isso significa menos fraudes, menos recusas e menos atrito.
Nas assinaturas mensais ou pagamentos recorrentes, o token continua válido mesmo quando o cartão físico vence ou é reemitido. O resultado: menos falhas e menos desistências.
Para bancos e fintechs, o desafio é técnico, mas o ganho é estratégico. Eles deixam de emitir apenas cartões e passam a emitir identidades digitais de pagamento, mantendo o controle sobre autenticação, reemissão e segurança.
Cada transação carrega muito mais informação de contexto: tipo de dispositivo, localização, hora, biometria — o que torna o sistema mais inteligente e mais confiável.
O cartão físico ainda existirá. Mas sua função simbólica e prática muda completamente. Ele deixa de ser a ferramenta principal e passa a ser apenas uma peça de apoio, usada em situações específicas — regiões sem cobertura, perfis menos digitais ou pura preferência pessoal.
O fato é que o pagamento já deixou o plástico para trás. A experiência que era centrada no cartão agora acontece no dispositivo, na biometria e na nuvem. O meio físico perde importância, e o ato de pagar se torna mais inteligênte — rápido, contínuo e sem fronteiras.
O fim dos números é apenas a superfície. O que realmente está acontecendo é a substituição do cartão por identidades digitais seguras e tokenizadas, que operam de forma autônoma, instantânea e integrada à vida digital das pessoas.
O cartão, símbolo de status e consumo por mais de meio século, caminha para se tornar apenas um ícone nostálgico de uma era anterior à tokenização. Agora, o que vale não é o que se carrega na carteira — mas o que está protegido no seu dispositivo.
O futuro dos pagamentos no Brasil será sem dígitos e, aos poucos, sem cartão. E o mais interessante é que esse futuro já começou — silenciosamente, no bolso de milhões de brasileiros.
Edson Santos é Conselheiro, Consultor, Advisor e Investidor Anjo, com mais de 25 anos de experiência em meios de pagamento e serviços financeiros, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira - A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 - As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.
Edson Santos é Conselheiro, Consultor, Advisor e Investidor Anjo, com mais de 25 anos de experiência em meios de pagamento e serviços financeiros, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira - A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 - As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.