Pode até ser difícil notar para alguns, mas a tesouraria no Brasil está presente no dia a dia de milhões de empresas de tamanhos diversos. Essa presença, porém, nem sempre se traduz em estrutura, estratégia ou maturidade. Em entrevista exclusiva ao podcast da Let’s Money, Gonzalo Strauss, cofundador e CEO da Datanomik (fintech fundada no Uruguai que é especializada em soluções para gestão de tesouraria) apontou que a função ainda é mal compreendida e subvalorizada no mercado brasileiro.

Foto: Let’s Money

A falta de clareza sobre o papel da área e a escassez de profissionais qualificados contribuiriam para que o setor seja um tanto quanto negligenciado nas estruturas corporativas brasileiras. O entrevistado traçou até um paralelo entre a vida pessoal e o universo empresarial, destacando que ações como controlar extratos bancários, acompanhar gastos e adotar rotinas de controle financeiro representaria o início da prática de tesouraria.

No entanto, nas empresas, essa função adquire uma complexidade maior, especialmente quando envolvem múltiplas contas, diferentes prazos de pagamentos e recebimentos, gestão de dívidas e análise de fluxo de caixa.

“No final do dia, seja para o banco, seja para o mercado corporativo, seja para o Gabriel ou para o Gonzalo, o objetivo é que o controle, gerenciamento e gestão do caixa garantam a melhor decisão para o futuro da pessoa, para o futuro da empresa, para o futuro do negócio. E daí vêm os diferentes sistemas que podem ou não evoluir para tarefas relacionadas à tesouraria”

- Gonzalo Strauss, cofundador e CEO da Datanomik

Strauss ainda observa que no setor empresarial há uma série de sistemas com alguma relação com a gestão financeira, mas que nem sempre atendem diretamente às demandas da tesouraria.

“Você tem sistemas no setor empresarial que têm alguma relação com a gestão financeira, como os BIs, os ERPs, que muitas vezes são mais utilizados como centros de governança e muito mais como source of truth para informação de qualquer tipo: financeira, contábil, contratual, de vendas...”

- Gonzalo Strauss, cofundador e CEO da Datanomik

Nesse sentido, embora essas ferramentas tenham papel relevante, sua função está mais voltada à consolidação e governança de dados, enquanto as tarefas de tesouraria exigem outra abordagem. Haveria também ferramentas específicas voltadas para a operação de caixa, mas o conceito de tesouraria ainda varia bastante de acordo com a maturidade do mercado,  e essas diferenças ficam mais evidentes quando comparadas com mercados de outra economias mais desenvolvidas.

“Há muitas ferramentas que estão 100% focadas em caixa, na tesouraria principal. Só que aí a diferença está no conceito da tesouraria [...] Há diferenças em relação a mercados mais maduros [...] sobre quais são as responsabilidades que se definem na tesouraria aqui no Brasil”

- Gonzalo Strauss, cofundador e CEO da Datanomik

Diferenças de maturidade e impacto no negócio

No Brasil, essa abordagem é rara. Para Strauss, isso está relacionado ao nível de maturidade das empresas e ao estágio do próprio sistema financeiro. A formação dos profissionais da área, quando existe, geralmente acontece a partir de experiências práticas ou necessidades específicas de empresas.

“Eu falo muito que, aqui no Brasil, temos essa combinação perfeita: você não tem uma educação formal em tesouraria. Então, você pode ser um bom tesoureiro ou um tesoureiro ruim – tudo depende do seu histórico profissional, das suas experiências nas empresas. Mas não há critério, também não há padrão. Você pode vir de uma empresa muito boa, de mesmo porte e do mesmo setor de outra empresa, e ainda assim os conceitos de tesouraria podem ser completamente diferentes”

- Gonzalo Strauss, cofundador e CEO da Datanomik

Sob essas circunstâncias, o papel da tesouraria nas empresas brasileiras ainda carece de clareza e padronização, o que dificulta até mesmo a contratação de profissionais qualificados. “O conceito de responsabilidades ou objetivos do tesoureiro varia muito. Quando alguém vai contratar um tesoureiro, muitas vezes nem sabe como avaliá-lo”, afirma.

É comum, portanto, que a experiência anterior do profissional em uma empresa de grande porte seja usada como referência de qualidade, o que pode ser enganoso. “A avaliação acaba sendo baseada em onde a pessoa trabalhou: ‘Ah, você trabalhou numa boa empresa, então vou assumir que essa empresa fazia uma boa gestão’. Mas, muitas vezes, isso não é verdade. Na verdade, eu diria que, na maioria das vezes, isso não acontece”, complementa.

Ausência de uma formação formal em tesouraria contribui significativamente para a baixa maturidade do setor no país. O sistema educacional não ofereceria, na avaliação do entrevistado, uma trilha estruturada para quem deseja seguir carreira na área, e há pouca clareza sobre como estudar ou se especializar. Embora, vale ressaltar, existam cursos e iniciativas sendo desenvolvidos por alguns institutos, esses esforços ainda são pontuais, pouco reconhecidos e carecem de padronização.

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