“O Banco Central deu prazo? Pode ter certeza: a mudança é grande.” Com essa frase, Cristiany Wagner, Superintendente de Compliance do Bradesco, sintetiza não apenas o grau de impacto das normas regulatórias no sistema financeiro, mas também o grau de prontidão com que o banco precisa reagir. A executiva participou do podcast da Let's Money, onde compartilhou bastidores e revelações sobre como a instituição opera sua engrenagem regulatória em alta frequência.

Cristiany Wagner é Superintendente de Compliance do Bradesco | Foto: Let’s Money
O volume inclui normas do Banco Central, CVM, B3, ANBIMA, FEBRABAN, além de leis federais, decretos, portarias, legislação tributária, e também normas estaduais e municipais, como a obrigatoriedade de desfibriladores em agências ou regras de tempo de espera em filas. "Uma instituição como o Bradesco, com capilaridade nacional, acaba tendo que se adequar a uma infinidade de regulamentações que, muitas vezes, são pontuais, e isso aumenta o custo de observância."
Com o tamanho do desafio, a estrutura de compliance evoluiu para funcionar como uma verdadeira engrenagem de precisão, conectada a todas as outras áreas da organização. “Hoje, eu consigo dizer que não passa nenhum produto novo pelo comitê sem que tenhamos participado desde a construção”, afirma Cristiany.
Uma arquitetura conectada
O departamento comandado por Cristiany é dividido em três frentes principais, interdependentes entre si: Legal Compliance, Compliance de Negócio e Controles Internos. "Essas áreas se retroalimentam o tempo todo. O Legal Compliance monitora as normas, interpreta e traduz para as áreas. O Compliance de Negócio ajuda as áreas a implementarem as mudanças. E os Controles Internos testam e monitoram se os riscos foram, de fato, mitigados."
Cada norma é tratada com um critério de materialidade. Algumas, como leilão de dólar, têm rito automatizado. Outras, como novas regras de conta corrente ou PLD, podem demandar ações multidisciplinares e abertura de projetos estruturantes. “Tem norma que sai numa quinta-feira à noite e, na sexta, já temos gente perguntando como implementa. A gente monitora o site do Banco Central de hora em hora”, relata.
Essa velocidade só é possível com o apoio de tecnologia. O Bradesco conta com uma ferramenta contratada que faz captura automatizada de regulamentações e organiza os fluxos. Além disso, já adotou iniciativas de legal design para pareceres e contratos com linguagem mais acessível, e já usa IA para apoio em tarefas como interpretação de normas e elaboração de documentos.
O lugar de onde se vê tudo
A amplitude da função trouxe para Cristiany uma posição privilegiada dentro da organização. "Estar em compliance me permite olhar para tudo, principalmente no mercado financeiro, porque tudo passa por aqui: produto, dados, governança, segurança, estrutura de canais, relacionamento institucional."
Esse posicionamento também transformou o papel da área dentro da cultura do banco. Ela cita o reconhecimento interno como uma das pessoas mais influentes da instituição como fruto da formação de uma relação de confiança com os times. "Mostrar o porquê do não, ser transparente, dialogar, propor alternativas. O nosso papel é ajudar a fazer acontecer com segurança."
Esse tipo de abordagem foi fundamental em projetos como Open Finance, Pix, LGPD e Bank as a Service, que demandaram atuação constante e influenciaram profundamente a forma como as equipes trabalham. "Hoje, muitas vezes o pessoal de produto já chega com a norma na mão, dizendo: ‘eu sei que assim não dá, mas e se for desse jeito?’".
De normatizado a normatizador
Mais do que reagir, a equipe também atua de forma propositiva no ecossistema regulatório. Cristiany participa ativamente em grupos técnicos na FEBRABAN e ABBC, e conta que em várias ocasiões o Bradesco provocou discussões sobre normas obsoletas. Um exemplo emblemático foi a atuação para permitir o uso de boletos como meio de depósito, que não era previsto originalmente na regulação. "Era uma demanda legítima. O que fizemos foi construir uma solução segura e apresentar ao regulador."
A atuação política também se estende a nível municipal. Ela relata casos em que precisou sentar com legisladores locais para evitar normas que inviabilizariam operações, como a obrigatoriedade de porta giratória para correspondentes bancários.
Essas iniciativas refletem uma mudança mais ampla na forma de regular. Segundo Cristiany, hoje o Banco Central tem adotado normas mais principiológicas, que exigem que as instituições definam seus próprios controles com base em princípios como “conheça seu cliente”, em vez de regras fixas. Isso amplia a responsabilidade das instituições, mas também sua liberdade para inovar.
Quando a regulação encontra a segurança
Um dos temas mais sensíveis da atualidade para a área é a segurança do cliente frente ao aumento de golpes. Segundo dados citados pela superintendente, o número de golpes envolvendo pessoas físicas e jurídicas cresceu mais de 400% desde 2018.
"É surreal. Estamos falando de um golpe a cada quatro minutos no país."
O Bradesco investe em múltiplas frentes de defesa, desde modelos de análise comportamental até ferramentas de detecção preditiva. Ainda assim, como destaca Cristiany, "na maior parte dos casos, a causa raiz é a inocência da vítima". Para ela, só campanhas de conscientização não são suficientes. “Precisamos de uma educação mais ampla, uma solução multidisciplinar.”
Nesse contexto, a regulação da Inteligência Artificial ganha destaque como prioridade. Cristiany acompanha de perto os projetos de lei em tramitação e defende um modelo que garanta proteção sem travar a inovação. "O risco é tentar legislar de forma genérica, sem escutar o mercado. O setor financeiro tem dado um exemplo positivo, com escuta e consulta pública."
Decodificando a estratégia
"Para um profissional de compliance, não basta mais saber ler norma. Precisa entender a estratégia da empresa, olhar para onde o negócio está indo e se antecipar." Para Cristiany, essa é uma das grandes mudanças no perfil da função, e também o que sustenta seu crescimento na carreira. Ela conta que sua formação original foi em Educação Física, e depois Direito. Passou por contencioso jurídico no HSBC e, com a aquisição pelo Bradesco, migrou para Compliance, de onde nunca mais saiu.
Hoje, com um portfólio que inclui desde regulamentação a produtos, segurança, canal de denúncias e governança, ela resume o desafio da sua área em uma frase: "Nosso papel é garantir que tudo seja possível. Com segurança e dentro da regra. Mas possível".