Na nova edição do podcast AWS Talk Show, a mediadora Aline Bassan, gerente de contas da AWS, recebe Nina Silva, CEO da Black Money, e Dani Junco, CEO da B2Mamy, para um bate-papo sobre o papel da tecnologia na democratização do acesso ao dinheiro. A partir de vivências pessoais e dados contundentes, elas mostram como a inclusão financeira vai muito além do acesso a produtos bancários: trata-se de criar liberdade, gerar impacto e reconhecer quem realmente movimenta a economia.

Para Dani Junco, inclusão financeira começa com o reconhecimento da realidade. Segundo ela, 52% dos CNPJs de pequenas e médias empresas no Brasil pertencem a mulheres. Em 2023, pela primeira vez, os lares chefiados por mulheres superaram os comandados por homens no país. 

“Somos metade da população do mundo — e mais a outra metade também. São 69 milhões de mães no Brasil. Nasce um bebê a cada 20 segundos. Onze milhões dessas mulheres são mães solo. Estão consumindo, influenciando — e sem nenhum homem decidindo nada”, apontou Junco.

Essa desconexão entre quem detém o poder de consumo e quem toma as decisões estratégicas ainda é gritante. Dani lembra de uma reunião corporativa dominada por homens, onde seus argumentos foram postos em dúvida. 

“Falei: ‘vocês fazem campanhas para mulheres sem falar com mulheres’. Perguntei para um dos executivos se ele sabia o xampu que usava e não soube responder, pois é a esposa que compra. A sala ficou em silêncio. Foi ali que entenderam o ponto. O dinheiro está na mão das mulheres. O mercado precisa parar de ignorar isso”, pontuou.

Já para Nina Silva, falar de inclusão financeira é falar de liberdade — não só econômica, mas também de pensamento, de criação, de existência. “Toda vez que me perguntam o que é inclusão financeira, eu digo que é uma ponta para chegar na liberdade real”, resumiu. 

De acordo com ela, o dinheiro é, antes de tudo, um mecanismo de relação entre pessoas, e garantir o acesso a esse mecanismo é garantir dignidade e pertencimento. Ela salienta ainda o papel de destaque do Brasil nesse cenário, citando o sucesso do Pix e a distribuição digital do auxílio emergencial durante a pandemia como exemplos de inovação e impacto. 

“Fizemos o que nenhum outro país fez: durante a pandemia, conseguimos implementar uma estrutura de pagamentos instantâneos que hoje é referência no mundo. Mas não é só ter um celular com conta digital. A inclusão tem que ser digital, sim, mas voltada para finanças com educação, com propósito. Senão o dinheiro não chega na ponta”, apontou Silva.

Desafios estruturais da inclusão financeira

Se o Brasil é referência em inovação tecnológica nos meios de pagamento, por outro lado ainda falha em transformar esse acesso em inclusão econômica de fato. 

“Quando acabou a pandemia, essas contas [digitais criadas para o auxílio emergencial] não tiveram mais movimentações. Por quê? Porque essas pessoas não foram realmente incluídas na economia”, lamentou Nina Silva. 

Para ela, a inclusão não pode ser só emergencial. Precisa vir acompanhada de políticas estruturantes que considerem quem movimenta o país na base da pirâmide.

“Quem é que está multiplicando renda nesse país? Quem está empreendendo, sustentando famílias, gerando empregos? São os pequenos negócios. E quem está à frente da maioria deles? As mulheres”, reforçou.

Dani Junco vai além e traz números impactantes: 17% do PIB brasileiro já está nas mãos de trabalhadores informais. “São pessoas que acordam e vão fazer o corre delas. Essa conversa que a gente está tendo aqui está a léguas de distância do que elas vivem, mas olha o que elas representam na economia.” 

Segundo ela, 73% dos empregos no país vêm dos micro e pequenos empreendedores, principalmente do setor de serviços, o mais volumoso do Brasil. O problema é que o dinheiro não circula de forma suficiente para chegar até essa base produtiva. 

“Não adianta ter um monte de conta aberta. Precisa colocar o dinheiro lá dentro. E depois ensinar esse dinheiro a virar outro dinheirinho. É isso que falta”, afirmou Dani. Ela também destaca um dado alarmante: 73% das famílias brasileiras estão endividadas no crédito.

Esse contexto escancara a necessidade de combinar inclusão com educação financeira, como destaca Nina: “A gente precisa falar de acesso a crédito, de apoio para empreendedores que querem escalar. Não é só microcrédito inicial. Tem gente querendo crescer, investir em tecnologia, reduzir custo de produção, mas não tem acesso a financiamento”.

Ela lembra ainda que, dentro da comunidade negra, as mulheres negras são as que mais empreendem e, em muitos casos, são arrimo de família. “Esse papo de que o dinheiro da casa é do marido é coisa de classe média alta pra cima. Nas famílias periféricas, é a mulher que decide tudo: da compra do mês à escola da criança.”

E quando essas mulheres querem dar o próximo passo no negócio? O sistema esbarra. “Elas não querem só mil reais de capital semente. Elas querem mais de R$ 10 mil para contratar equipe, pagar melhor seus funcionários, investir no crescimento, mas aí o crédito simplesmente não vem”, pontuou Silva.

Democratização: tecnologia, acesso e o próximo passo

A democratização da tecnologia não se resume à presença de aparelhos ou conexão. Segundo Nina Silva é preciso entender que “toda e qualquer tecnologia é social”. Isso significa que o verdadeiro impacto só acontece quando há acesso pleno de infraestrutura, de conhecimento e de aplicação prática. 

“Não adianta falar de 5G se ele não chega no país inteiro, ou discutir inteligência artificial sem que crianças de escolas públicas saibam como ela funciona e para que serve”, afirmou Silva.

Essa perspectiva vai além da conectividade e toca diretamente nas questões de inclusão produtiva, formação profissional e participação em cadeias econômicas reais. O Movimento Black Money, por exemplo, não apenas oferece cursos gratuitos e conteúdos acessíveis por celular, como também cria pontes entre essas formações e oportunidades concretas de trabalho. 

Para Dani Junco, tecnologia também é pensamento e prática. "É tudo que te faz fazer melhor, mais rápido e mais barato, desde o pump de acetona até a inteligência artificial", brincou. 

Ela vê no desenvolvimento tecnológico uma ferramenta para que mulheres encontrem formas mais eficientes de tocar seus negócios e suas vidas. Mas reconhece que a barreira de entrada ainda é alta quando não há suporte humano. “Tem que manter o lugar do humano, de dizer: agora você pode ir para a próxima fase. Vamos juntos.”

Keep Reading

No posts found