O setor de fintechs da América Latina foi sacudido nesta semana com a prisão de Anderson Olivares de Oliveira, gerente-geral da fintech brasileira Dock no México. O executivo foi detido no Aeroporto Internacional da Cidade do México, após alerta da Procuradoria-Geral da República (FGR). Olivares é acusado de fraudes que somam ao menos US$ 10 milhões, em um caso envolvendo disputas societárias e questionamentos regulatórios sobre a atuação da empresa no país.

Foto: Reprodução

O executivo está detido no Reclusório Sul, na capital mexicana, e deve comparecer à audiência inicial nesta sexta-feira (11). O processo — ainda em fase inicial — traz à tona uma série de alertas antigos das autoridades mexicanas sobre a atuação de fintechs não regulamentadas no país, sobretudo aquelas operando sob o modelo de BaaS, como é o caso da Dock.

Disputa começou após aquisição da fintech Cacao

A origem do conflito está na compra da Cacao, uma fintech mexicana de processamento de cartões, adquirida pela Dock em dezembro de 2021. A Cacao havia tentado, sem sucesso, obter licença da Comisión Nacional Bancaria y de Valores (CNBV) para operar como Instituição de Fundos de Pagamento Eletrônico, autorização exigida de empresas financeiras no país.

A Dock viu na aquisição da Cacao uma oportunidade de fincar raízes no mercado mexicano, com uma estrutura pronta para escalar suas operações. No entanto, Jorge Álvarez, um dos fundadores da Cacao, passou a acusar irregularidades na transação, alegando não ter recebido corretamente pela venda de sua participação. É com base nessas alegações que a Procuradoria abriu investigação e solicitou a prisão de Olivares.

Dock afirma que disputa é societária e não afeta clientes

A Dock divulgou um comunicado oficial aos seus clientes no México, afirmando que o processo se trata de uma “ação legal de caráter societário”, movida individualmente por Jorge Álvarez, e que não envolve fraude com consumidores ou problemas operacionais.

“Esta ação está relacionada a uma disputa privada sobre a venda da participação do senhor Jorge Álvarez — uma operação que já foi completamente paga. Os demais ex-sócios da Cacao não fazem parte desta ação, e um deles inclusive continua trabalhando conosco”, diz o comunicado.

“Essa situação não tem qualquer relação com produtos, serviços ou clientes da Dock, e não representa risco para a continuidade de nossas operações. Seguimos operando normalmente, com total transparência e compromisso com a ética”, afirma a empresa.

A Dock também declarou que já mobilizou recursos jurídicos para reverter a situação e que a cobertura da imprensa “tem distorcido o conteúdo do processo”, contribuindo para o alarde sobre um caso que, segundo a empresa, é de ordem meramente comercial.

Modelo BaaS sob escrutínio das autoridades mexicanas

Apesar da tentativa da Dock de enquadrar o caso como uma disputa privada, autoridades mexicanas e analistas apontam que a prisão de Olivares expõe fragilidades mais profundas. A CNBV (equivalente mexicano ao Banco Central) vem manifestando, há anos, preocupação com a atuação de fintechs estrangeiras que operam sem licenciamento local, principalmente dentro do modelo BaaS.

No BaaS, empresas de tecnologia oferecem infraestrutura para que terceiros emitam cartões e contas digitais, sem que esses emissores sejam necessariamente instituições financeiras reguladas. Isso limita a capacidade do Estado de supervisionar operações, o que abre brechas para práticas ilegais, como evasão fiscal, lavagem de dinheiro e fraudes estruturadas.

O caso também trouxe implicações diretas para a estrutura da Dock. A Justiça mexicana emitiu uma liminar que proíbe a fintech de realizar qualquer alteração em sua composição acionária até que os litígios judiciais sejam encerrados.

Essa medida teria, segundo fontes próximas à empresa, sido um dos fatores que inviabilizaram os planos da Dock de realizar um IPO nos Estados Unidos em 2023. A empresa vinha negociando abertura de capital, mas não conseguiu avançar diante das incertezas jurídicas no México. Com informações da “El Universal Oaxaca”.

De processadora de cartões a unicórnio bilionário

A Dock nasceu como Conductor, processadora de cartões de loja fundada em 1991. Em 2014, foi adquirida pelo fundo de private equity Riverwood Capital, em parceria com Antonio Soares, que assumiu a presidência. Anos depois, a empresa passou a atuar em novos segmentos, lançando sua vertical de BaaS e consolidando as marcas Conductor, Dock e Muxi sob o nome único Dock em 2021.

Em maio de 2022, a empresa atingiu o status de unicórnio, após levantar US$ 110 milhões em rodada liderada por Lightrock e Silver Lake Waterman. O aporte elevou o valuation para mais de US$ 1,5 bilhão.

A Dock passou então a acelerar sua expansão pela América Latina. Após a compra da brasileira BPP (Brasil Pré-Pagos) em 2021, a fintech anunciou a aquisição da Cacao. Também inaugurou operações em países como México, Peru, Colômbia, Chile, Argentina, Equador, Panamá, Guatemala, El Salvador e Ilhas Cayman.

Até maio deste ano, segundo a “Época Negócios”, a Dock afirma processar mais de R$ 1 trilhão por ano, com:

  • 70 milhões de contas ativas

  • 8 bilhões de transações anuais

  • 400 clientes corporativos

Entre os principais nomes da carteira estão 99, Ambev, Bradesco, Crefisa, Cielo, Localiza, Mercado Pago e Natura.

O que vem a seguir?

A audiência de Anderson Olivares na Justiça mexicana está marcada para esta sexta-feira (11), e será decisiva para os próximos passos do processo. A defesa tentará que o executivo responda em liberdade e sustenta que não houve fraude, apenas uma disputa contratual. Já a Procuradoria busca avançar com a denúncia de estelionato qualificado.

Enquanto isso, a Dock tenta conter os danos à sua reputação e garantir investidores de que o modelo de negócios segue sólido. Para uma empresa que nasceu com foco em eficiência e escalabilidade, o desafio agora será provar que também é capaz de resistir à pressão jurídica e regulatória nos mercados em que atua.

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