O Pix já desbancou o TED, encostou no cartão de débito e virou o queridinho do brasileiro. Agora, vem aí sua faceta mais ousada: o Pix Parcelado. A novidade promete unir a agilidade das transferências à flexibilidade do pagamento a prazo. Mas sua implementação traz dúvidas técnicas, regulatórias e operacionais que ainda estão sendo decifradas.
Nesta supermatéria reunimos especialistas, autoridades e representantes do mercado para entender como essa nova engrenagem vai funcionar e o que ela pode mudar no cotidiano financeiro do país.
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Era uma segunda-feira qualquer, dessas que chegam junto à fatura do cartão. Mas ali, entre o boleto do plano de saúde e a notificação do banco, apareceu uma nova opção na tela do aplicativo: parcelar no Pix.
Três palavras, nenhum intermediário, e a promessa irresistível de pagar depois com um clique. Se o Pix já havia virado verbo, agora ganha status de financiamento. E como todo crédito fácil, carrega o potencial de solução… ou de armadilha.

No país onde se parcela até o almoço de domingo, o Pix parcelado surge como uma síntese da criatividade financeira brasileira. É a digitalização do fiado, só que com contrato assinado e juros embutidos.
Para o lojista, uma bênção já que o dinheiro entra à vista. Para o consumidor, um sopro de alívio, pois a dívida chega diluída, mês a mês. Mas como toda inovação financeira, o que vem embrulhado em conveniência exige cautela, especialmente em uma economia ainda frágil e com 60 milhões de brasileiros fora do sistema de crédito tradicional.
A modalidade, que já vinha sendo testada por bancos e fintechs, agora entra em cena com aval e padronização do Banco Central. O lançamento oficial está marcado para setembro deste ano, como parte da chamada “Agenda Pix 2.0”. A promessa? Padronizar regras, dar mais transparência aos juros e ampliar o acesso ao crédito com segurança. Na prática, o Pix Parcelado se aproxima mais de uma linha de crédito pessoal do que de um simples meio de pagamento. E isso muda tudo.
A transação continua instantânea para quem recebe. Mas, para quem paga, é o início de um relacionamento com o banco, geralmente acompanhado de juros mensais com números que dependem do perfil de risco. Não há intermediário como a operadora de cartão, nem MDR para o lojista. É um jogo novo, com regras ainda sendo escritas. E, como todo jogo de crédito, há vencedores, perdedores e uma margem estreita entre eles.
No centro dessa transformação está uma disputa silenciosa entre instituições financeiras, varejo e reguladores. O Pix Parcelado não é apenas mais uma funcionalidade, é a tentativa de reinventar o crédito no Brasil por dentro do sistema de pagamentos instantâneos. Se der certo, pode levar inclusão financeira real para milhões de pessoas. Se der errado, será apenas mais um capítulo da crônica do superendividamento à brasileira.
A pergunta é: estamos prontos para parcelar o futuro?
Como funciona o Pix Parcelado
A promessa do Pix Parcelado é simples: permitir que os brasileiros comprem agora e paguem depois, diretamente com Pix e sem precisar de cartão de crédito ou boletos. Na prática, a funcionalidade envolve a concessão de crédito por parte da instituição do pagador (o PSP originador), com o pagamento à vista sendo feito ao recebedor no momento da transação. Ou seja: o lojista continua recebendo na hora, enquanto o consumidor paga as parcelas ao seu banco, que arcou com o valor inicial.
Essa lógica, que já é explorada por bancos e fintechs com soluções proprietárias, será padronizada a partir de setembro. O novo arranjo Pix, elaborado pelo Banco Central e pela governança do sistema, trará um conjunto de manuais — incluindo manual de fluxos, de marca, catálogo de limites, API Pix e guia de WAX (Web API Experience) — definindo como essa modalidade deve operar no mercado.
"Hoje, todos esses modelos oferecidos pelas instituições não têm um padrão. Cada uma pode oferecer do seu jeito. A única restrição é que, para usar o nome Pix Parcelado, terão que seguir as regras do arranjo do Banco Central", explica Gustavo Bresler, COO do Iniciador. “Durante o período de convivência, as soluções próprias poderão continuar existindo, mas a partir de março de 2026, o modelo padronizado deve ser predominante.”

Gustavo Bresler é COO do Iniciador | Foto: LinkedIn
Esse novo arranjo vai além do parcelamento em si. A proposta é criar uma experiência fluida e interoperável, e o Open Finance terá papel central nisso. “O Banco Central busca agregar ao Pix funcionalidades de outros métodos de pagamento. No caso do parcelado, a ideia é dar acesso a uma forma de crédito que hoje está majoritariamente restrita ao cartão. E muitos brasileiros sequer têm cartão de crédito, ou então têm limite muito baixo”, diz Bresler.
Nesse contexto, a iniciação de pagamento poderá atuar como uma ponte entre consumidores e diversas instituições financeiras que ofereçam crédito. "Enquanto no arranjo tradicional do Pix é o próprio PSP que oferece o crédito, no Open Finance o ITP pode apresentar múltiplas propostas no momento da compra, ou até depois. O usuário pode escolher a melhor taxa, e ainda concentrar tudo numa única fatura, mesmo tendo contratado de instituições diferentes", detalha.
Além de facilitar a jornada de comparação, essa estrutura aumenta a competição e reduz custos operacionais. "Hoje, se você fizer três Pix parcelados — um com Nubank, outro com Santander e outro com Mercado Pago — terá que pagar cada um separadamente. Com o Open Finance, um ITP pode consolidar essas dívidas numa única fatura, o que facilita a gestão financeira e abre margem para crédito mais barato", diz Bresler.
Esse modelo também deve beneficiar o lojista. Ao contrário do que ocorre no parcelamento com cartão de crédito, o recebedor via Pix Parcelado não precisa esperar meses para receber o valor nem arcar com taxas altas de antecipação. “O recebedor não corre risco de estorno. Ele recebe na hora, como se fosse um Pix comum. O risco de crédito fica com a instituição que ofereceu o parcelamento ao pagador. Isso reduz significativamente os custos de aceitação", afirma.
Essa simplificação, no entanto, não exclui o papel futuro das registradoras. Embora o modelo atual funcione sem elas, há uma expectativa de que isso mude conforme o sistema avance. “Hoje, o PSP que concede o crédito envia o valor à vista para o PSP do recebedor, e as parcelas ficam entre o cliente e seu banco. Nesse cenário, não há previsão de uso de registradoras. Porém, isso pode mudar quando o Pix parcelado se aproximar do modelo de garantias”, explica Lucas Mattiuz, especialista Pix & Open Finance da Núclea.
Lucas lembra que o tema está em construção e que os arranjos evoluem conforme os aprendizados do mercado. “O Pix Parcelado vai ficar muito junto do Pix em garantia. E, nesse caminho, pode surgir um papel natural para as registradoras, seja para organizar as agendas de recebíveis ou trazer segurança para o sistema, como já ocorre com cartões e em construção com os boletos e duplicatas.”
A experiência acumulada pela Núclea em outras trilhas pode acelerar essa transição. “Sabemos quais são as dores de uma implementação, como integrar quem vai usar e como centralizar os dados para, futuramente, criar uma agenda de coleta”, completa Lucas.

Irene e Lucas integram o time da Núclea | Foto: Reprodução / LinkedIn
Irene Romão, Superintendente de Negócios da Núclea, reforça: “Temos know-how no registro de boletos e duplicatas e participamos dos grupos técnicos com o Banco Central. Sabemos o que pode ser reaproveitado e onde o Pix parcelado pode exigir um novo modelo. Ainda está em discussão, mas estamos preparados para contribuir com essa infraestrutura”.
No cronograma oficial, os testes com os fluxos padronizados devem ocorrer entre setembro de 2025 e março de 2026 — período de convivência com modelos proprietários. A partir daí, com as diretrizes claras e APIs em operação, o Pix Parcelado poderá se consolidar como um novo pilar do crédito no Brasil.