Acabou-se o tempo em que falar de blockchain e criptomoedas remetia a um universo restrito aos entusiastas da tecnologia. A realidade atual é absolutamente distinta, segundo afirmou Afonso Belice, CEO da Vega Crypto e Presidente da Ethereum Brasil, em entrevista exclusiva ao podcast da Let’s Money. Para o executivo, é inegável como a tokenização e o avanço da Web3 estão transformando o sistema financeiro.
Foto: Let’s Money
Um dos líderes da comunidade Ethereum Brasil, Belice explicou como tem se dedicado a “descomplicar sistemas complexos”. À frente da sua empresa, um hub de Ecosystem-as-a-Service, ele visa acelerar adoção e o crescimento da economia tokenizada no Brasil, o que inclui educação, consultoria estratégica e inovação tecnológica.
Conforme o entrevistado abordou em sua fala, o momento atual do setor poderia ser descrito como “Web 2.5”. Isto é, um estágio intermediário entre o tradicional (Web2) e o Web3, que seria mais disruptivo. Para ele, haveria uma integração, que hoje é base do trabalho da Vega Crypto.
“Esse é um momento de união entre o mercado financeiro tradicional e o universo descentralizado”
Onde está o lastro?
Um dos grandes entraves à popularização da Web3, segundo Belice, é o entendimento, o que gera uma certa resistência natural advinda da lógica tradicional de confiança em instituições.
“As dúvidas que meus alunos tinham no final, elas são um pouco parecidas com o tipo de educação que a gente faz hoje, que é educação executiva […]. A gente vai até as empresas e ensina sobre tokenização, sobre blockchain e basicamente é onde há segurança disso ou onde está o lastro do Bitcoin”
Na análise do CEO, no entanto, na Web3, a confiança é substituída pela transparência da blockchain: “Gosto de comparar o lastro do Bitcoin ao poder computacional. É a matemática que garante sua existência, enquanto no dólar você lê ‘In God We Trust’, mas na prática o lastro é o exército americano. É uma confiança institucional, não divina [...] Não existe ‘jeitinho brasileiro’ no smart contract. O código vai rodar do jeito que foi escrito, certo ou errado”, disse.
Nesse sentido, outro ponto de destaque na entrevista foi o fato de Belice ver uma mudança clara na postura de grandes instituições financeiras
“O JP Morgan sempre falava mal de cripto, que bitcoin era esquema, que era o lugar de lavadores de dinheiro e, no final das contas, viu que o Bitcoin é o ouro digital e a escassez digital programada, e que isso tem muito valor [...] A blockchain é aquilo que vai deixar tudo mais rápido, mais inteligente, que vai servir melhor as instituições e os seus clientes”
E esse movimento também chegou ao setor público, algo que pode ser notado em El Salvador, onde o Bitcoin se tornou moeda corrente desde setembro de 2021, ao lado do dólar norte-americano. De acordo com o entrevistado, esse movimento foi positivo para o país.
“É um país que era inseguro e atrasado. Hoje é um dos países mais seguros das Américas. É um país extremamente desenvolvido nessa parte tecnológica, que é o que a gente vê”
No Brasil, a motivação institucional é econômica, dado que o capital do país seria escasso, segundo leitura de Belice. Para ele, quando as empresas brasileiras entram no universo da tokenização, elas passam a acessar capital internacional via redes blockchain.
Essa abertura ao capital global estaria fomentando o crescimento de fintechs e startups que atuam com soluções com registro de transações (especialmente de criptomoeda) cuja segurança é garantida através da sua distribuição entre uma rede de computadores não centralizada.
A revolução silenciosa da Web3
“Outro dia minha prima de 14 anos escreveu um roteiro pra mim e eu paguei em cripto. Ela não podia abrir conta em banco, mas pôde ter sua primeira wallet. A Web3 inclui quem está fora do sistema”. Esse foi o exemplo dado por Belice para explicar o poder transformador da tecnologia para pessoas de diferentes poderes aquisitivos.
Mesmo assim, há de se reconhecer que há riscos, como em muitas outras tecnologias. “Pode ter gente querendo fazer crimes, sim, mas é um espectro muito menor do que é, por exemplo, lavagem de dinheiro com dólar, que a gente sabe que é o melhor jeito de fazer coisas ruins no mundo é com dinheiro, papel”, acrescentou.
Para quem busca construir soluções em blockchain, o entrevistado deu um panorama técnico e referenciou as chamadas “L2”, que são segundas camadas do Ethereum, criadas para ampliar escalabilidade.
“Cada rede tem sua especialidade. A Ethereum é segura e institucional, mas lenta. Solana é rápida, ideal para alta demanda de transações. A Hyperledger foi a escolhida pelo Banco Central para o projeto Drex, por ser robusta, mesmo com baixa velocidade inicial [...] E existem as bridges, que conectam diferentes blockchains. Um exemplo é a Wormhole, que permite transferir ativos entre Solana e Ethereum, por exemplo”
Nesse ponto, parte relevante do trabalho da Vega Crypto estaria em se dedicar à formação de desenvolvedores.
“A gente busca tanto com parceiros de fora quanto com as fundações para conseguir esse dinheiro para a galera poder construir, para a galera poder ajudar. E é muito legal que, aqui no Brasil, tem diferentes instituições que ensinam, de forma gratuita, a galera a programar em blockchain, porque o mercado precisa de programadores”