Foto: Reprodução
Foto: Reprodução

A Iniciação de Transações de Pagamento (ITP) ainda passa despercebida pelo público em geral, mas ela já ocupa um espaço central nas discussões de quem entende de infraestrutura bancária e tecnologia. E há um motivo claro: esse instrumento do Open Finance tem o potencial de reorganizar relações de poder dentro do sistema financeiro brasileiro de forma mais profunda do que muitos imaginam.

A lógica da ITP é simples: permitir que plataformas iniciem pagamentos diretamente da conta de um usuário, sem a necessidade de acessar o aplicativo do banco ou depender de integrações complexas. Na prática, isso desloca o ponto de início da transação, antes fechado no ambiente bancário, para qualquer experiência digital escolhida pelo usuário.

Esse deslocamento parece apenas técnico, mas seu efeito é estrutural.

A mudança silenciosa na experiência de pagamento

Hoje, boa parte das transações digitais ainda nasce dentro dos bancos. Mesmo com o avanço do Pix, a jornada do usuário costuma passar por autenticações, telas adicionais, múltiplos aplicativos e fricções que, no varejo e no ambiente corporativo, fazem o usuário perder a eficiência ou abandonar a compra.

Com a ITP, o pagamento passa a ser iniciado onde a operação acontece, e não onde o banco determina. Na prática, o usuário clica em Pagar dentro do ERP ou do e-commerce, confirma a autenticação no app do banco e volta para ver a transação liquidada. Isso reduz etapas, mantém o usuário em uma única experiência e elimina barreiras que historicamente encareciam o fluxo.

Essa mudança não significa ruptura com bancos, mas redistribuição de funções:

  • plataformas passam a controlar a experiência;
  • bancos permanecem responsáveis pela liquidação e pela custódia.

É uma reorganização mais sutil do que a causada pelo Pix, mas que tem o potencial de ser igualmente relevante.

Desintermediação: menos camadas, mais autonomia

Um dos aspectos mais discutidos — e também mais sensíveis — é o efeito de desintermediação que a ITP provoca.

Durante décadas, arranjos de pagamento, gateways, VANs e integrações proprietárias concentraram processos que dependiam de poucos players. Isso tornava a entrada de novos agentes mais difícil e mantinha o custo operacional elevado para empresas de todos os portes.

A ITP simplifica essa cadeia. Qualquer plataforma, independentemente do tamanho, pode oferecer iniciação de pagamento. O Banco Central padronizou e regulamentou essa infraestrutura.

O impacto disso é direto:

  • menos dependência de intermediários;
  • maior autonomia para empresas;
  • mais espaço para competição.

Não se trata de extinguir modelos existentes, e sim de abrir alternativas. E alternativas tendem a pressionar preços, melhorar experiências e ampliar o acesso.

Competitividade do Brasil em uma agenda de infraestrutura

A trajetória recente do sistema financeiro brasileiro mostra um padrão: o país acelera quando cria infraestrutura, e não produtos isolados.

Foi assim com o Pix, com o Open Banking, com o Open Finance e agora com a ITP. A combinação desses elementos faz com que empresas de software, varejo, serviços e tecnologia passem a ter condições de operar soluções financeiras antes restritas a grandes instituições.

A competitividade do Brasil cresce justamente porque a estrutura deixa de ser um obstáculo e passa a ser uma ferramenta. Quanto mais padronizado e acessível o processo, mais agentes conseguem inovar.

A ITP se encaixa perfeitamente nessa lógica: ela cria um sistema onde a experiência pode ser distribuída, personalizada e integrada a qualquer contexto digital. Isso reduz assimetrias e aumenta a concorrência — dois elementos fundamentais para um ambiente financeiro mais eficiente.

Um avanço que já é realidade

Apesar de a Iniciação de Pagamentos ainda demandar ajustes técnicos e regulatórios para alcançar adoção plena, ela já deixou a fase da teoria. Segundo dados do Banco Central, o volume de iniciações de pagamento cresceu cerca de 246% nos últimos 12 meses, passando de aproximadamente 153 milhões para 530 milhões de transações entre 2024 E 2025 — um sinal claro de que o mercado já incorporou o modelo em escala. Grande parte desse avanço é impulsionada por funcionalidades que resolvem dores concretas:

  • Pix Automático: destrava modelos de recorrência com menos fricção para as indústrias de assinaturas e serviços.
  • Transferências Inteligentes: simplificam operações complexas de gestão financeira e tesouraria para empresas.

São evidências de que a ITP está sendo aplicada para problemas reais, passando da promessa para a realidade. A direção é clara: à medida que essas soluções ganham maturidade, a ITP reforça seu papel como infraestrutura estratégica — discreta, mas capaz de reorganizar o mercado e ampliar a competição. Seu impacto pode não ser imediato, mas já é tangível e crescente.

Bruno Loiola

Co-founder da Pluggy

Co-founder da Pluggy, Bruno tem espírito andarilho e vício em boas conversas sobre mercado. Pra ele, Open Finance é o controle remoto da vida financeira: um botão pra ver, outro pra transferir e “mudo” pra burocracia. Quando não está falando de dados, está planejando a próxima trip e sofrendo com o Guarani.

Co-founder da Pluggy, Bruno tem espírito andarilho e vício em boas conversas sobre mercado. Pra ele, Open Finance é o controle remoto da vida financeira: um botão pra ver, outro pra transferir e “mudo” pra burocracia. Quando não está falando de dados, está planejando a próxima trip e sofrendo com o Guarani.