
Vivemos em uma época em que tudo precisa acontecer agora. Mensagens chegam e já exigem respostas. Entregas chegam no mesmo dia. Pagamentos caem em segundos. A espera, que antes era natural, se tornou intolerável.
O tempo passou a ser percebido como valor — e, quando algo se torna valioso, se transforma em moeda. É isso que está acontecendo diante dos nossos olhos.
Durante séculos, o tempo foi apenas um pano de fundo para as atividades humanas. Mas, à medida que a vida se acelerou, ele se tornou o principal critério de eficiência, conveniência e escolha. Não é mais apenas o dinheiro que define o valor das coisas: é o tempo que elas economizam.
A tecnologia moderna cumpre exatamente essa promessa. Com um toque na tela, pedimos transporte, transferimos dinheiro e resolvemos o que antes levava horas. Um pagamento por aproximação elimina segundos de espera no caixa. Uma compra com um clique no e-commerce reduz etapas e confirmações. E o Pix, ao trazer liquidação imediata e disponibilidade total, elevou o tempo a um novo patamar de percepção.
O que o Pix fez no Brasil não foi apenas acelerar transações, mas mudar o comportamento humano. Ele mostrou que pagar e receber em tempo real é possível — e, depois disso, qualquer outra experiência parece lenta.
Essas inovações revelam a mesma lógica: o tempo se tornou o eixo em torno do qual giram nossas decisões de consumo e nossos hábitos financeiros. Mas compreender o que está por trás dessa transformação exige olhar além do que se vê.
As camadas invisíveis dos trilhos
Quando falamos em pagamento, a maior parte das pessoas pensa no gesto final — digitar uma senha, encostar o cartão, escanear um QR Code. Mas o que realmente sustenta o sistema é uma estrutura complexa que funciona em camadas.
Eu prefiro explicar os trilhos de pagamento em cinco dimensões: infraestrutura, plataforma, produto, serviço e experiência.
A infraestrutura é a base técnica que sustenta o sistema de pagamentos. É onde ocorrem o registro, a liquidação e a comunicação entre os participantes. Inclui o SPI do Banco Central — que garante liquidação imediata no Pix —, a Núclea, responsável pela liquidação centralizada de cartões, e as redes de conectividade que interligam emissores, adquirentes e subadquirentes. Essa camada garante disponibilidade, escalabilidade e interoperabilidade — permitindo que milhões de transações ocorram, em tempo real, com segurança e eficiência. Sem essa infraestrutura, não há como escalar nem integrar o sistema de pagamentos moderno.
A plataforma é o conjunto de regras que organiza o funcionamento de cada trilho. No cartão, são as bandeiras que definem como emissores, credenciadoras e lojistas interagem. No Pix, é o Banco Central que estabelece padrões e garante interoperabilidade. É a padronização — e não a tecnologia em si — que gera segurança e estabilidade.
O produto é a forma como essa estrutura chega ao mercado: cartão de crédito, débito, pré-pago, Pix, Pix Saque, Pix Troco, Pix Automático. Cada produto reflete as características da plataforma e da infraestrutura sobre as quais foi construído.
O serviço é o que diferencia: conciliação automatizada, split de pagamentos, antecipação de recebíveis, APIs de integração. É aqui que credenciadoras, subcredenciadoras, PSPs e fintechs criam valor adicional para seus clientes.
E, por fim, a experiência — a camada visível, onde o usuário percebe o valor. É encostar o cartão, usar o celular ou pagar com Pix. É o instante em que o tempo se traduz em satisfação.
Entender essas cinco dimensões é essencial. Porque o Pix, por exemplo, não é apenas um produto. Ele é uma plataforma com infraestrutura própria e experiência integrada, resultado de uma combinação equilibrada entre tecnologia, regulação e comportamento.
A lógica: tempo → comportamento → tecnologia
A percepção do tempo mudou o comportamento; e a tecnologia passou a ser usada para remover o atrito que essa mudança tornou intolerável. O tempo encurtou. A tecnologia permitiu que o dinheiro circulasse na mesma velocidade da informação. E o comportamento humano ajustou o padrão de expectativa: tudo precisa acontecer sem atrito, sem atraso e sem esforço.
Essa combinação criou um novo tipo de pressão: não basta ser rápido, é preciso ser relevante no instante certo. É nesse ponto que os pagamentos evoluem — saindo da transação para se tornarem decisões inteligentes embutidas na jornada de compras.
O futuro inteligente dos pagamentos
Vejo hoje três movimentos claros moldando o futuro próximo dos meios de pagamento. Eles já estão em curso e começam a transformar a forma como pagamos e recebemos — unindo velocidade, inteligência e integração.
São eles: pagamentos automáticos e programados, pagamentos inteligentes com IA e open finance, e pagamentos globais com stablecoins.
Pagamentos automáticos e programados
Pagamentos automáticos (recorrentes): O Pix Automático traz a recorrência nativa com consentimento e cancelamento simples. Resolve cobranças periódicas e melhora previsibilidade de fluxo.
Pagamentos programados (condicionais): O passo seguinte é liquidações condicionadas a eventos concretos: o valor só é liberado quando a condição é atendida (entrega confirmada, marco de projeto, regra de uso de benefício). Isso reduz disputa e cria garantias para quem paga e para quem recebe. É o contrato inteligente aplicado ao cotidiano.
Pagamentos inteligentes com IA e open finance
O segundo movimento são os pagamentos inteligentes, ou agentic payments. Agentes digitais combinam inteligência artificial e open finance para escolher, de forma segura e consentida, como e por qual trilho cada transação deve seguir.
Esses agentes analisam saldo, limite, custo, benefícios e risco, e decidem — de forma autônoma, mas transparente — qual é a melhor opção. Para o consumidor, isso significa pagar de forma simples, rápida e segura, da maneira que preferir. Para o recebedor, significa mais conversão, liquidez imediata e previsibilidade de caixa.
Pagamentos globais com stablecoins
O terceiro movimento é o dos pagamentos internacionais com stablecoins.
São tokens digitais lastreados em reservas reais, que permitem liquidação global, 24 horas por dia, com custo menor e menos intermediários.
No Brasil, o Pix já resolveu o pagamento instantâneo no varejo doméstico.
Em países que ainda não possuem sistemas de pagamento instantâneo, elas ocupam o mesmo papel que o Pix desempenhou aqui — oferecendo velocidade, inclusão e eficiência de forma imediata.
Mas nos pagamentos internacionais, as stablecoins representam uma revolução: reduzem prazos, eliminam camadas desnecessárias e liberam capital que antes ficava imobilizado em múltiplas moedas.
Essa vantagem se torna ainda mais clara em casos de uso como remessas internacionais, pagamentos de freelancers globais e transações B2B entre mercados emergentes, onde o sistema bancário tradicional é mais caro e mais lento.
Já há uma verdadeira corrida global entre grandes empresas de tecnologia e pagamentos para adotar stablecoins em suas operações.
O objetivo é o mesmo: reduzir custos, encurtar prazos e ampliar a liquidez internacional em um ecossistema cada vez mais conectado.
Esses três vetores — programabilidade, inteligência e alcance global — definem a próxima fase da evolução dos pagamentos.
Para quem paga, a evolução representa conveniência, rapidez, segurança e liberdade de escolha — pagar de forma simples, segura e da maneira que preferir.
Para quem recebe, ela traz eficiência, liquidez e previsibilidade. Pagamentos que acontecem sem atrito, sem incerteza e sem desperdício de tempo.
Pagamentos continuarão sendo parte essencial da economia. A diferença é que agora passam a ser parte da própria experiência de compra. Deixam de ser uma operação isolada e se tornam consequência natural de uma jornada bem desenhada.
Cartões, Pix, A2A, open finance, agentic payments e stablecoins não são tendências isoladas. São expressões diferentes de um mesmo movimento: o avanço dos pagamentos rumo à integração total — entre trilhos, regras, tecnologias e experiências.
Mais do que criar novos meios, o desafio agora é fazer com que tudo funcione de forma coordenada: que cada trilho cumpra seu papel, que cada camada se conecte à seguinte, e que o resultado seja mais eficiência, menos atrito e mais valor para todos os participantes do ecossistema.
E é isso que define o futuro dos pagamentos: não a criação de novos meios, mas a inteligência de conectá-los. Cada inovação, quando bem orquestrada, devolve algo que se tornou escasso — o tempo — e transforma eficiência em experiência.
Como escreveu Peter Drucker, “a melhor maneira de prever o futuro é criá-lo.”
No universo dos pagamentos, o futuro não está em criar um novo meio, mas em orquestrar, de forma inteligente, todos os trilhos de pagamento já existentes.
Edson Santos é Conselheiro, Consultor, Advisor e Investidor Anjo, com mais de 25 anos de experiência em meios de pagamento e serviços financeiros, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira - A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 - As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.
Edson Santos é Conselheiro, Consultor, Advisor e Investidor Anjo, com mais de 25 anos de experiência em meios de pagamento e serviços financeiros, autor do livro “Do Escambo à Inclusão Financeira - A evolução dos meios de pagamento” e coautor de “Payments 4.0 - As forças que estão transformando o mercado brasileiro”.