Foto: Reprodução
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Durante muito tempo, operar além das fronteiras foi sinônimo de fricção para diretores financeiros. Cada nova jurisdição adicionava camadas de complexidade regulatória, tributária e operacional, tornando os pagamentos internacionais um centro de custo a ser contido, e não uma alavanca estratégica. Esse paradigma começa a mudar.

À medida que dinheiro e dados passam a circular de forma mais rápida e previsível por plataformas digitais, a lógica do cross-border deixa de ser defensiva. Em vez de apenas “sobreviver” à fragmentação regulatória, CFOs começam a tratá-la como um conjunto de variáveis a ser otimizado, quase como um tabuleiro de xadrez, e não mais um jogo de damas.

Na prática, isso significa reconhecer que a dispersão geográfica das operações já é uma realidade estrutural. Uma empresa de tecnologia pode registrar receita em um país, pagar fornecedores em outro, manter fundos de clientes em um terceiro e processar pagamentos a partir de uma quarta jurisdição, tudo dentro do mesmo trimestre. O desafio não está em eliminar essa complexidade, mas em usá-la a favor do negócio.

Esse movimento ocorre em um contexto em que autoridades fiscais e regulatórias estão mais coordenadas, não menos. Relatórios em tempo real, maior fiscalização sobre preços de transferência, exigências de substância econômica e regras de localização de dados ampliam a exposição regulatória. Ao mesmo tempo, volatilidade cambial, tensões geopolíticas e choques nas cadeias de suprimento aumentam o valor da agilidade financeira.

É nesse ambiente que as carteiras digitais corporativas e as contas multimoedas ganham protagonismo. Historicamente, empresas acumulavam caixa em mercados locais porque a repatriação era lenta, cara ou ineficiente do ponto de vista tributário. O dinheiro ficava “preso” não por controle estatal direto, mas por barreiras operacionais. Com infraestruturas digitais mais modernas, esse capital passa a circular com mais fluidez, alterando decisões sobre onde manter liquidez, quando movimentar recursos e como estruturar pagamentos.

Mais do que eficiência operacional, essa mudança afeta a resiliência do negócio. Quando fundos podem ser realocados rapidamente, empresas ganham flexibilidade para diversificar fornecedores, ajustar cadeias produtivas ou entrar em novos mercados com menor impacto financeiro. A infraestrutura de pagamentos deixa de ser um detalhe técnico e passa a integrar a estratégia de continuidade e crescimento.

Também muda a natureza das decisões financeiras clássicas. Escolher onde localizar propriedade intelectual, por exemplo, não envolve apenas otimização fiscal. A decisão passa a considerar governança de dados, incentivos à inovação e riscos geopolíticos. Da mesma forma, definir onde processar pagamentos impacta experiência do cliente, exposição a fraudes e o grau de supervisão regulatória.

No centro dessa transformação estão os dados. A evolução do papel do CFO depende cada vez mais da capacidade de integrar informações financeiras transfronteiriças em tempo real. Estruturas fragmentadas, com sistemas de pagamento desconectados, livros contábeis isolados e processos manuais de compliance, limitam essa visão.

Empresas mais avançadas estão investindo em arquiteturas unificadas, tratando movimentação de dinheiro, eventos regulatórios e relatórios como partes de um único fluxo contínuo. Isso permite análises mais sofisticadas: como mudanças nos prazos de pagamento afetam a carga tributária? Onde existe excesso de capital em relação ao risco? Qual jurisdição oferece melhor equilíbrio entre liquidez, custo e segurança?

Nesse novo cenário, o sucesso não está em reduzir a complexidade internacional, mas em compreendê-la profundamente. Para os CFOs, pagamentos internacionais deixam de ser apenas um problema a ser administrado e passam a ser uma ferramenta estratégica, capaz de influenciar fluxo de caixa, competitividade e posicionamento global em um mercado cada vez mais fragmentado e, paradoxalmente, mais conectado.

Gabriel Rios

Editor-chefe

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.