
O ecossistema de pagamentos entre empresas no Brasil vive um momento de transição silenciosa, em que a inovação cresce ao redor de práticas consolidadas. Enquanto o varejo celebra o avanço do Pix e das carteiras digitais, o universo B2B ainda se apoia em um protagonista de longa data: o boleto bancário. E não por inércia, mas por lógica operacional.
O Panorama do Contas a Pagar 2026, estudo da Qive que analisou mais de 315 milhões de notas fiscais e R$ 3,7 trilhões em transações corporativas entre 2023 e 2025, mostra que o boleto segue responsável por 69,3% do valor financeiro movimentado entre empresas.
Em 2023, esse percentual era de 73,2%. A queda existe, mas está longe de representar ruptura. O movimento indica amadurecimento: as empresas testam novos meios, mas preservam estruturas que garantem previsibilidade e controle.
Pix ainda avança com cautela no universo B2B
Apesar de ser onipresente no consumo diário, o Pix ainda ocupa um espaço modesto nos pagamentos entre empresas. Em 2025, respondeu por apenas 1,6% das notas emitidas e 0,5% do valor financeiro total. A participação dobrou nos últimos dois anos, é verdade, mas segue concentrada em operações pontuais, de menor valor ou menor complexidade operacional.
Isso acontece porque o boleto resolve demandas que o Pix ainda não cobre plenamente no ambiente corporativo. Ele se integra de forma nativa aos ERPs, facilita a conciliação automática via DDA e oferece registro formal da transação, atributos essenciais para empresas que lidam com milhares de pagamentos mensais, auditorias frequentes e exigências rígidas de compliance. No B2B, segurança, rastreabilidade e governança ainda pesam mais que velocidade.
Enquanto isso, transferências bancárias e carteiras digitais vêm ganhando espaço no valor financeiro transacionado, especialmente em setores de ticket médio elevado, como serviços, energia e setor público. Os depósitos ampliaram sua participação de 10,3% em 2023 para 11,9% em 2025, com destaque para Energia (24,4%), Setor Público (22,8%) e Educação (12,8%). Em segmentos como Serviços e Setor Público, o ticket médio já supera R$ 30 mil, reforçando o uso desses meios em relações contratuais e recorrentes.
O que se desenha não é a substituição de um método por outro, mas um modelo híbrido. As empresas passam a escolher o meio de pagamento conforme contexto, risco e relacionamento com o fornecedor. A eficiência não está em abandonar formatos tradicionais, mas em integrar sistemas, automatizar fluxos e reduzir erros humanos na gestão do caixa.
Outro ponto relevante do estudo é que os maiores entraves de eficiência ainda estão ligados a falhas de dados, retrabalho e baixa automação. É justamente esse vácuo operacional que mantém o boleto atraente: ele reduz erros, traz previsibilidade e facilita a conciliação em um ambiente que movimenta trilhões de reais por ano.
No fim das contas, o boleto não é um símbolo de atraso, mas de maturidade operacional. O Pix avança, mas o futuro dos pagamentos B2B será plural, contextual e inteligente. Inovação, nesse caso, não é trocar um meio por outro, é tornar todo o processo mais integrado, confiável e eficiente.