
A Vertrau reuniu representantes de bancos, gestoras, administradoras e associações do mercado financeiro para debater o novo ciclo dos fundos de crédito no país. O painel “Do Código à Confiança”, realizado no Cubo Itaú, em São Paulo, em 13 de novembro, mostrou como regulações recentes e avanços tecnológicos estão transformando profundamente as estruturas de funding, a governança dos FIDCs e a própria forma de conceder e monitorar crédito no Brasil.
Com mais de R$ 900 bilhões em ativos atualmente e a caminho de atingir R$ 1 trilhão, os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs) se consolidaram como infraestrutura-chave para operações de crédito. Mais de 80% da carteira está concentrada nos setores financeiro, comercial, industrial e de serviços. O destaque vai para o crédito financeiro (como CCBs, crédito pessoal e consignado privado), que cresceu 48% nos últimos 12 meses.

A ascensão dos FIDCs não é apenas quantitativa. De acordo com Carlos Benitez, da BMP, os bancos estão adotando fundos como uma forma mais eficiente e segura de alocar capital. Em vez de operarem diretamente com clientes de varejo e middle market, preferem canalizar recursos por meio de estruturas terceirizadas, reduzindo riscos operacionais e exigências de capital regulatório.
“O FIDC virou infraestrutura de crédito. E a tecnologia é o que permite que bancos, fintechs e fundos operem juntos, desde que falem a mesma língua digital”, resumiu Benitez.
Felipe Pretz, do Banco BV, acrescentou que, para os bancos estruturadores, trabalhar com originadores e parceiros também encurta o go-to-market e amplia o acesso a nichos antes inalcançáveis.
“Hoje, quem tem valor é quem origina o crédito, não quem tem dinheiro sobrando. A tecnologia encurta o tempo de lançar produtos e permite desenhar estruturas sob medida para cada mercado.”
Do “shadow banking” à institucionalização
A discussão também abordou o crescimento do “shadow banking” – termo antes pejorativo que descreve um ecossistema de crédito paralelo e regulado, alimentado por fintechs, marketplaces e empresas da economia real. Walter Fritzke, da Vertrau, explicou como pequenas e médias empresas estão criando estruturas próprias de financiamento, conectando a venda de produtos ao crédito direto ao consumidor, de forma recorrente e embutida, o embedded finance.
Segundo Benitez, embora o movimento traga eficiência e democratização, também exige mais rigor regulatório. “Há muitos players no mercado sem qualificação técnica ou experiência bancária, o que aumenta o risco para o sistema. Precisamos segregar os bons dos aventureiros.”
A duplicata escritural como base digital do crédito
Uma das principais inovações recentes é a adoção da duplicata escritural, que digitaliza e padroniza o ativo de crédito. Com regulamentações do Banco Central, CVM e CMN, a duplicata escritural exige registro em sistema supervisionado, rastreabilidade total e conciliação em tempo real. Para os fundos, isso significa migrar do compliance documental para a governança de dados.

“A duplicata deixou de ser papel e passou a ser dado. Isso muda como se compra, como se audita e como se presta contas ao investidor”, disse Fritzke.
Pretz destacou que a duplicata escritural permite maior precisão na precificação e no controle de risco. “Quanto mais visibilidade temos sobre o ativo, menor a incerteza e, consequentemente, melhor o preço e o apetite dos investidores.”
Split payment e a revolução tributária
Outro ponto crítico é o impacto do split payment, previsto na Reforma Tributária. Esse modelo de liquidação automática de tributos no ato do pagamento exige que bancos liquidantes retenham os impostos antes de repassar valores ao recebedor.
“O split payment muda tudo: precificação, deságio, recebíveis. Vai exigir mudanças em sistemas, RPs, nota fiscal eletrônica e integração com a Receita. Todo mundo vai ter que mudar alguma coisa”, alertou Fritzke.
Investidor exige transparência e tecnologia
Por fim, o painel destacou a mudança de perfil do investidor. A nova geração não aceita mais relatórios em PDF enviados semanas depois do fechamento. Quer dashboards, dados em tempo real, integração entre gestor, administrador, originador e custódia.
“Hoje, tecnologia é o elo entre o código e a confiança”, concluiu Fritzke. “Quem não tiver estrutura tecnológica para entregar governança em tempo real vai perder o investidor.”
O evento terminou com um chamado à ação: adaptar-se à nova era dos fundos de crédito exige mais que compliance regulatório – exige transformação digital, clareza de responsabilidades e foco absoluto na proteção do capital do investidor.