“Eu vejo o Banco Central como uma grande fintech. E você não tem isso em lugar nenhum”, dispara Amanda Sterenberg, General Manager da AstroPay no Brasil, durante um bate-papo com Gabriel Pereira no Let’s Money Podcast. O recado dá o tom do momento: enquanto o regulador pavimenta a inovação (PIX, arranjos, novos trilhos) e o usuário exige fricção zero, o câmbio, antes caro, opaco e lento, virou vitrine.
“O câmbio hoje é um dos poucos jeitos que ainda tem como os bancos e as fintechs terem uma linha de receita… para o usuário, isso se tornou fácil. Então é a nova oportunidade do mercado.” A leitura de Amanda explica por que contas globais deixaram de ser feature de fintech para virar default também nos bancões: retenção, monetização e escala num consumidor cada vez mais nômade, digital e exigente.
No curto espaço de uma década, mudamos de TEDs pagas, DOCs e spreads invisíveis no balcão para um tap-to-pay em dólar, euro ou stablecoin. A aceleração pós-pandemia juntou demanda reprimida de viagem, trabalho remoto pago em moeda forte e a normalização do “viver como local” em qualquer lugar.
“Os dados de nômades digitais crescem ano a ano… e se o usuário já está comigo, por que não lançar mais uma conta global?”, provoca Amanda. Em vez de ver concorrência, ela enxerga inevitável convergência: bancos, carteiras e plataformas correndo para onde o cliente está.
Contas globais, do hype ao cotidiano
Para o usuário, conta global é simples: mandar e receber dinheiro instantaneamente, do celular, em várias moedas, com cartão que “passa” em qualquer lugar. Por trás, é engenharia de tesouraria, parceiros, licenças e produto. A vantagem competitiva está em esconder a complexidade sem amputar poder: saldo multimoeda, PIX nativo, cartão local e global, IBAN europeu e, no caso da AstroPay, cripto e stablecoins no mesmo app. “A ideia é que você consiga viver como um local”, resume Amanda. O argentino que faz PIX no Brasil é a foto do conceito.
Esse arranjo virou também o novo campo de monetização. Se tarifas de conta e transferências sumiram do P&L, o câmbio ficou como linha relevante e, melhor, com apelo de experiência. A diferença, agora, é que quem executa bem não vende spread: vende velocidade, previsibilidade e sensação de controle. O bônus? Dados. Cada transação embute sinais de comportamento, país, canal, ticket, matérias-primas para produto e marketing.
Fundada em 2009 com raízes em pagamentos cross-border B2B (a Dlocal nasceu como spin-off), a AstroPay pivotou para B2C, multimoeda, sob a liderança de um novo CEO, e dali extraiu a segunda perna: plataforma white-label (um Banking as a Service global) para quem quer lançar sua própria conta global. O detalhe importante: a empresa continua operando o app direto ao consumidor.
“Eu tenho uma gama de usuários que eu consigo entender o que ele quer, o que ele não quer… Quando ele tá viajando, o que ele precisa”, diz Amanda. Na prática, essa presença B2C reduz o “delay” clássico do BaaS, que não enxerga o usuário final e demora a transformar feedback em roadmap.
O produto ao consumidor parece um banco digital com passaporte: PIX com chave própria (diferencial de confiança), cartão local, cartão global, mais de dez moedas, IBAN para Europa, eSIM para chegar conectado e a camada cripto/stablecoin para quem quer velocidade e liquidez em rails alternativos. Resultado: a AstroPay hoje lidera downloads de finanças na App Store da Argentina e cresce no Brasil, seu segundo maior mercado.
“Se o usuário já está comigo, por que não lançar mais uma conta global?”
A pergunta tem resposta no B2B: oferecer o mesmo arsenal como serviço. O cliente escolhe módulos (cartão, câmbio, cripto, eSIM), pluga a marca e vai para a rua com time-to-market menor — enquanto a AstroPay captura receita recorrente e um dataset valioso para sustentar a inovação.
O novo usuário: nômades, remotos, estudantes
A mola recente tem nomes e números: dólar forte que atrai mão de obra de países emergentes; vistos de nômade digital na Europa; crescimento de estudantes fora do país; comércio cross-border de plataformas como Temu e Shein. Tudo isso exige rails globais no bolso. “As fintechs e os bancos seguem as demandas do usuário. E essa demanda começou a ser criada”, resume Amanda.
O ciclo fecha: aos bancos, a conta global retém e reabre uma avenida de receita; às fintechs, ela escala, cria hábito e reduz churn; ao usuário, dá autonomia para “viver como local” sem labirintos de agência, travel check e telefonema de madrugada.
Se Bitcoin e Ether brilharam como tese tecnológica sem lastro, o pulo do gato em contas globais é a chegada das stablecoins, criptoativos indexados a moedas fortes. “Eu amo stablecoin… ela tira a fragilidade da cripto e dá confiabilidade”, diz Amanda.
Para carteiras, usar stablecoin como “mais uma moeda” abre casos de uso: liquidação quase instantânea entre regiões, on/off-ramp com menos atrito, proteção contra volatilidade local. Atualmente, custos de on-chain ainda não são sempre menores que rails tradicionais, e o Brasil mantém zonas cinzentas regulatórias (especialmente tributárias). O Banco Central, porém, tem um estilo “sandbox”: deixa amadurecer, observa e regula bem depois. “Isso é positivo. Dá um tempo de maturação para o mercado”, analisa.
Contas globais com cara de Brasil: regulação que acelera
O ecossistema local acelera a tese. “É impressionante a quantidade de gente que copia a gente”, provoca Amanda, sobre o Banco Central. O PIX virou padrão mundial; o parcelado (versão nacional do BNPL) promete novas avenidas de receita; a agenda de competição e interoperabilidade baixou barreiras e manteve segurança.
Sim, o país é volátil — o choque recente do IOF mostrou que “no Brasil até o passado é incerto” — mas a combinação de um regulador pro-inovação com um usuário digital-first empurra as empresas para frente. Quem tiver produto bom e execução rápida ganha tração real, não só manchete.
A tese de plataforma da AstroPay se apoia em dois pilares: velocidade e proximidade. Primeiro, acelerar o go-to-market de quem quer lançar conta global com módulos prontos (cartões, câmbio, IBAN, cripto, eSIM), compliance embutido e pricing competitivo. Segundo, levar para esses clientes o que aprendeu no varejo, desde micro-táticas (como comunicar uma janela de câmbio ou reduzir abandono no KYC) até decisões de produto (em quais moedas entrar primeiro, quais canais priorizar). É parceria de verdade: se o B2B performa, a plataforma performa. Se o B2C descobre dor e resolve, o B2B acelera junto.
No dia a dia, isso é disciplina. Amanda resume em três mantras: priorização (ligar tarefas aos OKRs e dizer “não” ao resto), execução (oito horas focadas valem mais que doze dispersas) e resiliência (“problema” é matéria-prima de quem lidera).
A trajetória dela explica o pragmatismo: advogada formada, começou no Pinheiro Neto em regulatório bancário, migrou para o lado de business por dentro da AstroPay e hoje comanda a operação brasileira. “Execução e ir além do escopo”, ela diz, lembrando que usou a licença-maternidade para decupar o time jurídico e cravar de vez o pé no desenvolvimento de negócios.
Contas globais também são sobre quem as constrói
Há um recorte interessante no câmbio: mais mulheres em cadeiras técnicas e de liderança. “A mulher não tem o luxo do bullshit. Ela chega muito preparada”, diz Amanda. O mercado de câmbio, por ser técnico, recompensa profundidade. Mentoras importam, rede importa e o efeito prático aparece: decisões mais ancoradas em dados, menos espuma, mais entrega.
Nesse ambiente, o “cliente no centro” vira disciplina, não slogan, vale para B2C (retenção orgânica) e para B2B (NPS e expansão de carteira). A cadeira vazia do Jeff Bezos na sala de reunião, o cliente imaginário a quem todos devem satisfações, é um bom lembrete.
O jogo agora é de repetição: melhorar a latência, baratear o câmbio, ampliar moedas e países, deixar o app cada vez mais “local” em cada lugar e, ao mesmo tempo, oferecer essa mesma potência como serviço para quem quer uma conta global com sua marca.
Não há bala de prata regulatória nem um único “marco” tecnológico: há uma espiral de pequenos acertos amparada por um regulador que escuta, por consumidores que já não toleram atrito e por empresas que aprenderam a monetizar experiência.
“Crédito, câmbio, pagamentos… tudo vai seguir a demanda. E, se o usuário já está comigo, por que não lançar mais uma conta global?”, insiste Amanda.
No fim do dia, é sobre confiança. Dinheiro é confiança. Confiança de que seu saldo em dólar não some, de que o PIX cai instantaneamente, de que a conversão não tem truque, de que a stablecoin vale um dólar daqui a dez minutos e de que a empresa atrás do app sabe aprender rápido.
As contas globais deixaram de ser “produto” e viraram infraestrutura de vida. Quem compreender isso primeiro não só ganha market share: passa a decidir como, quando e onde nosso dinheiro se move.