Foto: Abner Garcia / Let's Money
Foto: Abner Garcia / Let's Money

O conselho de administração não é enfeite, é alavanca estratégica. Quando bem desenhado, tira o CEO do modo “apagar incêndio”, amplia o olhar do time e ajuda a empresa a tomar decisões melhores, mais rápidas e com menos vieses. Neste episódio, Gabriel Pereira, fundador da Let’s Money, recebe Dorival Dourado e Bruno Moura para um mergulho prático em conselhos consultivos e de administração: quando criar, como compor, quanto pagar, como operar e quais armadilhas evitar.

Conselho existe para sustentar a estratégia e apoiar o comando, não para operar a empresa. Dourado resume a essência do papel. “É extremamente importante. E o que eu percebo na maioria dos casos é que nem CEO e nem conselho entendem a importância que um tem para o outro para o desenvolvimento positivo do negócio”, diz Dorival Dourado.

O conselheiro tem várias características super importantes, dentre as quais ser um influenciador, analisar a situação sem efetivamente se envolver na gestão. Ele não tem função operacional dentro da empresa”, completa Dourado.

Na prática do dia a dia, o board também ajuda a reduzir o ruído emocional das decisões. Bruno Moura vai direto ao ponto: “O executivo está focado nos problemas e muitas vezes ele não consegue abrir a mente, sair da situação do dia a dia para olhar aquele problema — às vezes até pequeno — de outra forma.”

Tipos de conselho e a “dose” certa

Há dois modelos principais: o conselho consultivo, mais flexível e sem obrigações legais, e o conselho de administração, órgão estatutário com formalidades, custos e deveres fiduciários. A decisão deve considerar ambição e estágio do negócio.

Conselho de Administração é um dispositivo legal. Traz formalismo, custo adicional e obrigatoriedade. Mas é uma alavanca importante quando você quer atrair investimento, entrar no mercado de capitais, mostrar governança forte”, explica Dourado.

A metáfora preferida de Dourado ajuda a calibrar o passo: “Não erre na dose do remédio, senão você mata o paciente.”

Quando criar um conselho de administração (ou consultivo)

Para startups e fintechs, a recomendação é começar cedo, com parcimônia e proposição clara de valor.

Founders precisam de assessoramento. Dá para começar no dia 1, até pró-bono, desde que sem exageros. A maioria dos founders não tem visão ampla de todas as disciplinas de gestão. Vai devagar, experimenta. Quanto mais cedo começar, mais cedo aprende”, diz Dourado.

Bruno reforça que o board deve evoluir com os ciclos do negócio: “Tal como qualquer executivo, conselhos também têm ciclos. É preciso avaliar se aquele conselheiro continua contribuindo — e se o próprio conselheiro ainda está motivado.”

Composição e independência: o antídoto contra vieses

A composição deve fechar lacunas de competências (vendas, tecnologia, cyber, risco, finanças, regulação, produto digital) e evitar vieses de afinidade. Diversidade é regra, não detalhe.

O conselho precisa ser extremamente profissional. Você monta com as especialidades que faltam no seu time de gestão. E conselheiros independentes são essenciais para reduzir vieses. Só amigos e gente muito ligada à empresa tende a gerar decisões enviesadas”, explica Dourado.

Ele traz um exemplo concreto: “No BMG somos 11 conselheiros, com muita diversidade e vários comitês — auditoria, risco e capital, estratégia e inovação, TI e cibersegurança, ESG, clientes. O trabalho fora da reunião é enorme; estudo, comitês e entrevistas dão profundidade.”

Conselho de administração: como operar no dia a dia

Ritual e cadência importam. Reuniões trimestrais afastam o board da empresa; o trabalho de verdade acontece entre as reuniões. No contato com founders e executivos, o acesso precisa ser aberto — sem virar “muleta”, como explica Moura.

Deixe a porta aberta para consulta no dia a dia, mas sem transferir a responsabilidade da execução. O conselheiro faz perguntas, testa propósito e ajuda a alinhar decisões ao plano.”

Remuneração, conselho de administração e conflitos

Eu particularmente não acredito em bonificação para conselheiro nem em planos de incentivo de longo prazo atrelados à ação. Isso pode deturpar o trabalho e criar conflitos. O conselheiro pode olhar o preço da ação em vez do melhor interesse da empresa”, alerta Dourado.

Em companhias abertas e reguladas, há referências de mercado para conselhos de administração. Em consultivos, a prática varia — o que não muda é a exigência de tempo e profundidade. “Ser conselheiro não é vender ‘hora de consultoria’”, resume Dourado.

Conselho de administração: limites e virtudes do perfil

A transição de executivo para conselheiro pede quilometragem, estudo contínuo e, sobretudo, humildade. “Conselheiro bom tem inteligência emocional, capacidade de influência e paciência. Ego é um problema. Deixe o ego em casa”, provoca Dourado.

Bruno completa com um antídoto contra o “conselheiro sabe-tudo”: “Às vezes o conselho traz a resposta acadêmica perfeita, mas desconectada da realidade. Humildade é ouvir o outro conselheiro, o executivo, e, se não domina o tema, estudar ou ficar quieto.”

Conselho de administração na prática: BMG, IPO e o choque de realidade

Dois recortes ajudam a aterrar a conversa: governança bancária e a febre do IPO. “Em banco regulado, o IPO vira só mais um passo — mas ainda assim exige elevação grande de governança e preparação. Comitês e independentes dão base para decisões melhores”, diz Dourado, ao falar do BMG.

Sobre abertura de capital, ele faz um alerta direto: “IPO embriaga. Já vi gente ignorar sinais claros de que não era a hora. Depois do IPO você vive sob a régua do mercado: colaboradores, stakeholders e investidores te cobram mais e o ‘pedalar’ fica muito mais pesado.”

Bruno puxa a lógica para as fintechs em captação: “Muita startup vive de rodada, não de resultado. Aumentou investimento, aumenta governança. O time está pronto para ter chefe? E o founder, está pronto para substituir quem não evoluiu?

Conselho de administração, IA e cibersegurança: eficiência antes do hype

IA entrou na pauta dos conselhos e a abordagem madura evita modismos, priorizando eficiência e segurança. “Definimos um grupo multidisciplinar, com foco inicial em eficiência. Nada de foguete para a lua. A partir daí, avaliamos como a tecnologia pode gerar disrupção real”, explica Dourado.

Cuidado com a ‘preguiça cognitiva’. Profissionais que só se apoiam na IA perdem capacidade de reflexão. E atenção redobrada à cibersegurança”, completa.

Bruno reforça o papel do board como contrapeso: “Às vezes o executivo se empolga e vira o canhão da empresa para um único lado. O conselho ajuda a botar os pés no chão: riscos, oportunidades, guard-rails e plano.”

Para quem está montando o primeiro board, o guia é simples e pragmático: “Comece. Aplique a dose correta para a dor do paciente”, aconselha Bruno. “Mesmo pequeno, um conselho bem montado aumenta a inteligência emocional do founder e traz outros ângulos para decisões difíceis.”

Para quem quer migrar de carreira, o recado de Dourado é honesto: “Ponha a mão na cabeça e pergunte: eu tenho o skill set? Conselheiro exige experiência relevante, estudo contínuo e desapego do ‘lado executor’. Glamour se fala; transpiração se vive.”

Fecho: governança é estratégia, não burocracia

Conselho — consultivo ou conselho de administração — é ferramenta de performance. Fortalece estratégia, reduz assimetrias de informação, equilibra riscos e acelera decisões. Exige ritual sério, gente independente e muito trabalho fora da sala.

Exige humildade para ouvir e coragem para dizer “não” ao hype. Se você é founder, comece cedo, na dose certa. Se quer ser conselheiro, estude, acumule quilometragem e deixe o ego do lado de fora. Como resumiu Dorival Dourado: “O nosso trabalho é muito maior fora do Conselho do que dentro dele.”

Gabriel Rios

Editor-chefe

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.