
Lígia Lopes construiu uma trajetória que conecta teoria econômica, inteligência artificial e operação de negócios. Atualmente CEO da Teros, ela lidera uma empresa especializada em transformar dados em decisões recorrentes no setor financeiro, com clientes em áreas como crédito, precificação, seguros e parcerias B2B. Durante sua participação no podcast da Let’s Money, a executiva detalhou como essa transformação acontece na prática, explorando desde os bastidores do uso de dados no Open Finance até os desafios de levar modelos de IA para a operação.
“Eu procuro padrões em tudo”, contou, logo no início da conversa. “Quando a gente vai falar de dados, é isso que a gente faz o tempo inteiro: procurar padrões e tomar decisões”. Antes do setor financeiro, ela atuou na área de saúde, onde usava dados para identificar fraudes e otimizar combinações entre médicos e pacientes. Foi ali que começou a entender o papel da precificação como ferramenta estratégica: “No final das contas, o incentivo é a precificação. Quase tudo é preço: crédito, risco, fraude — tudo está sendo precificado”.
Com essa visão, ela migrou para o mercado financeiro e, anos depois, cofundou a Teros. Hoje, a empresa ajuda instituições a tomarem decisões com base em dados, de maneira contínua e embasada. Mas, para isso, é preciso superar uma série de barreiras operacionais, culturais e técnicas.
“Às vezes o desafio está muito mais em aplicar uma estratégia de precificação ou de taxa diferenciada do que, de fato, calcular. Você precisa de sistemas que aceitem isso, de governança para justificar as decisões e de comunicação para explicar por que a taxa mudou”.
Open Finance como ponto de partida, não de chegada
Boa parte das análises feitas pela Teros parte de dados do Open Finance, que, segundo Lígia, oferecem uma “gama de dados extremamente relevante para qualquer venda”. “Eu sei se você é conservador ou não, se você guarda dinheiro ou não, se é organizado financeiramente”, exemplificou.
Mas o dado compartilhado nem sempre conta a história toda. “Se a pessoa compartilhou uma conta onde não tem salário, onde não usa o cartão, você vai olhar e dizer que ela é uma má pagadora. E, na verdade, não é”, alertou. Por isso, a Teros trabalha com múltiplas fontes: Open Finance, declarações de imposto de renda (extraídas por OCR), bureaus, registros públicos e variáveis contextuais, como renda média da região onde o cliente mora.
“Essa visão integrada permite criar modelos mais robustos e também mais justos. O fato de ele não ter compartilhado também é uma variável. Isso já me diz alguma coisa sobre o perfil daquele cliente”.
Do dado à decisão: como funciona a estrutura da Teros
Na prática, a Teros constrói um pipeline de dados customizado para cada cliente. O processo começa com a definição do uso: os dados serão usados de forma estratégica (em análises pontuais) ou operacional (como parte de um sistema decisório contínuo)? A partir daí, o foco é estruturar a entrada e o uso das informações de forma segura, auditável e automatizada.
“É mais perigoso tomar uma decisão errada com dado ruim do que sem dado. Se eu não tenho dado, eu sei que não tenho. Mas se eu tenho um dado ruim, e confio nele, posso tomar uma decisão desastrosa”.
Além da governança, a Teros também atua com inteligência artificial no tratamento dos dados. “A gente usa IA para identificar outliers, cruzar fontes e gerar variáveis novas que melhorem o modelo. E, acima de tudo, para facilitar a aplicação dessas regras na prática. Porque o mais difícil não é criar o modelo — é operacionalizar”, explicou.
Casos práticos: aluguel, seguros e análise PJ
Entre os projetos desenvolvidos pela Teros, estão soluções para análise de risco em contratos de aluguel, seguros corporativos e onboarding de parceiros. Nesses casos, o desafio está em construir uma visão de longo prazo sobre a capacidade de pagamento, muitas vezes sem acesso direto ao Open Finance.
“Quando o cliente não compartilha os dados, a gente busca outras fontes. A declaração de imposto de renda, por exemplo, é muito rica. A gente extrai via OCR e monta a análise a partir dali. Nosso foco é não depender de uma única fonte. A robustez vem da combinação”.
Essa abordagem também tem sido aplicada no atendimento a pessoas jurídicas. “Começamos com empresas de um único sócio, geralmente MEIs ou pequenas empresas que misturam finanças pessoais e do negócio. É um segmento negligenciado, mas com grande demanda por análise estruturada”, afirmou.
Saber perguntar é o diferencial da nova era dos dados
Com a popularização da IA, o papel dos profissionais de dados mudou. “Hoje, o importante é saber perguntar. Dados, sempre o importante foi saber fazer a pergunta”, afirmou Lígia. “Com a IA, você consegue testar hipóteses rapidamente. Então quem sabe o que quer perguntar tem uma vantagem enorme”.
Esse princípio também orienta a formação de times na Teros. A empresa valoriza profissionais com background de negócio, que sabem traduzir objetivos estratégicos em variáveis e hipóteses testáveis. “A parte técnica a gente treina. O que buscamos é a capacidade de pensar estrategicamente com dados”, reforçou.
Uma nova etapa na liderança
Recentemente, Lígia assumiu o cargo de CEO da Teros, após anos liderando a área de operações. A mudança marca uma nova fase na empresa, com foco maior em posicionamento institucional, cultura e expansão de mercado.
“Quando você é diretora de operações, você resolve problemas de curto e médio prazo. Como CEO, precisa pensar no futuro da empresa e comunicar isso para o time e para o mercado. Recebi muito apoio. As pessoas vieram dizer como era importante ver mais mulheres nesse lugar. Isso inspira e valida que tem espaço para a gente ocupar esses cargos”.
O caminho que a Teros percorre hoje mostra como dados, inteligência artificial e Open Finance podem e devem caminhar juntos. Mas, como reforça Lígia, isso só funciona quando os dados são tratados com rigor, usados com responsabilidade e aplicados com clareza.
“Quando você muda uma variável, muda a decisão. E a relação também muda”, concluiu. No fim, a estratégia está menos nos números e mais em saber o que fazer com eles.