
O DREX virou holofote e filtro de realidade para a blockchain no Brasil. Se antes o assunto orbitava times de inovação, agora está sentado na mesa dos executivos. E, por trás desse salto, há uma tese simples — e pouco glamourosa — que guia a BBChain: resolver problema de negócio. “Não venda blockchain. Venda uma solução de negócio que, por acaso, usa computação distribuída — que, por acaso, é blockchain”, diz André Carneiro, cofundador da empresa.
A frase não é um bordão; é a trilha para atravessar um momento em que o Banco Central sinaliza priorizar, no curtíssimo prazo, entregas do DREX por caminhos sem blockchain. A inovação, insiste André, não para: “Ela muda de trilho, não de destino”. O especialista bateu um papo com Gabriel Pereira no Let’s Money Podcast e falou sobre o futuro do sistema financeiro.
DREX como holofote
Antes do DREX, André navegou o movimento de evangelização ainda dentro do Itaú. Ele lembra noites explicando para diretores por que blockchain não era “a bolha das tulipas” e como aquilo poderia virar eficiência real. “Ainda é uma demanda latente”, diz.
O DREX, porém, mexeu no “c-level”: “O DREX deu uma visibilidade executiva do assunto… Quando o Campos Neto vai à mídia e fala, isso muda”. A primeira fase do projeto foi, para ele, essencialmente educacional. O Bacen/Selic programavam os contratos; boa parte do mercado “aprendeu a subir nó, a integrar, a chamar API”. Sem rodeios: “Na primeira fase, o mercado chamou API. Na segunda, teve que pensar caso de negócio e programar em blockchain”.
A mudança na fase 2 foi concreta. Em vez de telas pretas e provas de conceito genéricas, consórcios precisaram propor casos com dono, usuário e métrica. A BBChain entrou em diversos grupos — em alguns como participante direto, em outros como tecnologia por trás. “A gente levou o cara de negócio para a tela. Tinha emissão de CCB tokenizada, gravame de títulos públicos, mercado secundário… MVP de verdade”, conta. Houve quem, depois de dois anos de apresentações, dissesse “é a primeira vez que vejo um blockchain de verdade”. O recado: menos demo, mais transação completada.
DREX e o ajuste de rota
Quando veio a sinalização pública do Banco Central de priorizar, no curto prazo, rotas sem blockchain para acelerar entregas do DREX, a surpresa do mercado, segundo André, foi mais de forma que de conteúdo. “Inovação é mercado. A gente não pode vincular a inovação só ao cronograma do regulador”, resume. Na prática, isso significa desenhar liquidação fora do DREX por ora — PIX, STR e, quando fizer sentido, stablecoins com governança séria — e manter a arquitetura interoperável para plugar os trilhos do DREX assim que voltarem ao centro.
“Produto não deve casar com um único trilho. Se amanhã o DREX reencaixa blockchain, você encaixa a perna sem refazer tudo.”
Essa leitura pragmática vem com sete decisões de execução que ele repete aos clientes: escolher um caso com dor clara e dono de P&L (cessão/garantia com CCB, recebíveis com mercado secundário, trade finance multi-interveniente, lastros imobiliários), desenhar liquidação fora do DREX (PIX/STR e, se fizer sentido, stable auditada), nascer privado por ativo (quem vê o quê e por quê), interoperar desde o dia 1 (legado + ao menos uma EVM + trilho sem blockchain), perseguir MVP funcional em semanas, treinar devs generalistas por 8–12 semanas, e vender valor, não chain: tempo economizado, taxas evitadas, risco reduzido, com um “extrato de benefícios” que mostre, preto no branco, o que o cliente ganhou.
Privacidade no DREX: por que isso importa (muito)
Em redes compartilhadas, endereços viram padrões rastreáveis, um problema concreto para LGPD e para a estratégia das instituições. André gosta de começar pelo exemplo simples: “Como eu provo que transferi dinheiro a você sem necessariamente saber o seu endereço? Essa é a sacada da privacidade”.
A BBChain respondeu criando o Ptah (Privacy and Interoperability Framework), tecnologia nacional que entrega privacidade por ativo e por perna da transação (o regulador monetário vê o dinheiro; a autarquia de valores, o título), interoperabilidade entre blockchains e com legados, criptoagilidade (inclusive pós-quântica) e federação de dados — a soberania de decidir onde o dado/ativo reside.
“A gente provou que dá para resolver privacidade. Não está maduro? Ótimo, se estivesse não seria inovação”, diz André.
O PTA já foi demonstrado em CCB, emissão de títulos, trade finance com atomicidade entre duas blockchains e um sistema ISO 20022, além de uma versão de títulos públicos com privacidade. A proposta agora segue para o Lift 2025: testar uma rede multi-ativos com privacidade e interoperabilidade real, do on-chain ao mundo legado. Mais do que um paper, ele insiste em demo: “Desafio lançado é desafio entregue”.
Interoperabilidade: do EVM ao PIX, sem fricção
Se a privacidade é a camada sensível, a interoperabilidade é o motor. “O grande desafio não é só blockchain-para-blockchain; é blockchain com sistema legado”, pontua André. No caso de trade finance já demonstrado, a BBChain integrou duas blockchains diferentes e um core legado em ISO 20022, garantindo atomicidade ponta a ponta (ou tudo acontece, ou nada acontece).
A visão de futuro inclui acionar PIX como etapa final de jornadas que também impactam ativos tokenizados ou APIs bancárias tradicionais — uma transação para o usuário, vários trilhos por baixo, com coordenação e auditoria.
A lógica se estende à governança: começar definindo quem decide o quê, quem enxerga o quê e onde cada ativo pode “residir” — o que permite acomodar regras soberanas de dados em múltiplas jurisdições. “Quero que meu ativo resida no meu país”, diz André, encenando o papo com um regulador. “Tá bom: ele reside aí — e só o que precisa viajar, viaja.” Na prática, isso reduz atrito jurídico e dá previsibilidade para escalar operações cross-border sem reescrever a pilha.
No curto prazo, onde blockchain corporativa entrega valor? Mercado financeiro continua líder, com alerta contra a “tokenização fofa” — aquela que rende press release e mantém o backoffice tradicional. “A gente só começa se é viável. Tokenizar para sair no release não entrega eficiência.Tecnologicamente simples; 90% é jurídico e governança”, resume. Bancos globais já surfam a onda, útil para pedaços de liquidação enquanto o DREX ajusta escopo.
Há, ainda, os casos “fora da caixinha” que deixam claro o poder de um blockchain invisível na jornada do usuário. Uma edtech criou carteiras escolares: o pai faz um PIX (on-ramp), alimenta a carteira do aluno e restringe uso a cantina e material — educação financeira com governança na veia. Em eventos, tokens de direito de imagem permitem consentimento granular e revogação simples (queima do token). “É conversa de negócio antes de conversa de tecnologia”, resume André.
Como formar devs que entregam
A trajetória da BBChain ajuda a explicar o tom direto do cofundador. A empresa nasceu em serviços e girou para produto quando ficou claro que projetos corporativos em blockchain gastavam seis meses a um ano para chegar a um MVP. “A gente criou o EBS para reduzir de meses para dias”, diz André. Hoje a casa trabalha em dois blocos: infraestrutura (para quem opera infraestrutura) e soluções de negócio que funcionam como Lego — tokenização, custódia, rastreabilidade via API (o Tracker), com LGPD e direito ao esquecimento resolvidos por design.
No time, menos fetiche por títulos de Web3 e mais base sólida de engenharia. “Quero um bom desenvolvedor. Blockchain ele aprende em dois ou três meses. O inverso quase nunca fecha.” Traduzindo: menos copiar repositório, mais entregar produto com arquitetura, segurança, contratos e mensageria bem resolvidos. Como efeito colateral, a contratação fica mais ampla e previsível, e a curva de aprendizado, mensurável.
André vê o ajuste do Bacen como convite à execução pragmática. “É super legal vender soja e agro, mas também vamos vender tecnologia”, provoca, de olho em bancos fora do país e nas vitrines do Lift 2025. O mercado global de blockchain corporativa gira na casa dos US$ 9 bilhões; há espaço para muita gente boa. “O futuro é um alvo móvel. Se você trabalha com inovação, tem que acertar o alvo enquanto ele se mexe.”
No fim, o DREX permanece direção, não destino. O regulador ajusta a rota; cabe ao mercado construir valor agora — privacidade, interoperabilidade e liquidação que já existe — para plugar, sem traumas, os trilhos regulatórios quando voltarem ao centro. Sem hype, com entrega e com o cliente entendendo, em números, por que valeu compartilhar confiança e dado. Como André sintetiza, voltando à tese que abriu a conversa:
“Não é sobre vender blockchain. É sobre resolver o problema do cliente e dar a ele o recibo do valor gerado.”