Foto: Abner Garcia / Let's Money
Foto: Abner Garcia / Let's Money

O Fintouch 2025, maior encontro de inovação financeira do país, ocorreu na última semana em São Paulo com um clima de troca aberta entre reguladores, bancos, fintechs e imprensa. Em um episódio especial do Let’s Money Podcast gravado diretamente do evento, Gabriel Pereira conversou com Diego Perez, presidente da ABFintechs, sobre o momento sensível do setor, as respostas institucionais e o que esperar da próxima safra de produtos e modelos de negócio.

Essas últimas semanas foram muito difíceis”, reconheceu Perez, ao comentar a associação indevida de fintechs a crimes recentes.

Já existe uma narrativa de que fintechs têm tratamento facilitado… mas não é verdade. Há todo um arcabouço regulatório. Houve incidentes, sim, com empresas que se passam por fintechs ou que foram corrompidas, mas isso não representa o setor como um todo.”

Fintouch e a crise de imagem

O episódio abre com a pergunta que dominou corredores e painéis no Fintouch: como preservar avanços em meio a manchetes negativas? Perez demarca o quadro: segurança pública e combate ao crime organizado não se esgotam em ajustes técnicos do regulador, pedem coordenação nacional e comunicação correta com a sociedade.

É natural que as autoridades reajam”, disse, citando os ajustes da Receita Federal e do Banco Central após incidentes cibernéticos. “Isso faz parte da adaptação ao cenário. Ao mesmo tempo, precisamos preservar o que construímos nos últimos 10 anos: uma base sólida que incluiu mais de 60 milhões de pessoas no sistema financeiro.”

No fio do raciocínio, o presidente da associação chama atenção para a disputa de narrativa: “Temos facilidade de explicar fintech nos veículos especializados; já na mídia popular, é mais difícil. Em canais que cobrem crime, a fintech vira ‘facilitadora’, e é isso que precisamos combater com informação.”

Fintouch e o que é “fintech”

Em meio a propostas de “definir fintech por lei”, Perez fez um contraponto. Para ele, fintech é um conceito sui generis — abarca finanças digitais, serviços digitais e metodologia centrada no cliente, independentemente de porte ou vertical.

Fintech não é sinônimo de tamanho. Uma empresa pode ter 100 milhões de clientes e continuar sendo uma fintech. É dinâmico, multissetorial: pagamentos, crédito, capitais, seguros, câmbio, cripto, infraestruturaprefiro que continue assim.”

Combate ao crime: vítima, não vilã

O recado institucional surge nítido no Fintouch: fintechs e bancos são vítimas do crime organizado, e podem ser parte da solução.

Combater o crime organizado é política de segurança pública. O BC e a CVM regulam o setor, mas quando a mazela é maior que o setor, é agenda nacional. O papel da ABFintechs é organizar o setor, levar a pauta ao Congresso e informar a mídia.”

Foto: Abner Garcia / Let’s Money

Na prática, a associação tem multiplicado ações coordenadas e produzido documentos técnicos para melhorar a qualidade do debate. “Há fintechs associadas que foram das primeiras a identificar atividades criminosas nesses ataques. Se unirmos esforços, extraímos o melhor: não demonizar, aprimorar controles e seguir avançando.”

Fintouch 2025: curadoria, formato e networking

A edição 2025 repetiu o formato de 2024: palco central, palestras simultâneas e circulação com fones, priorizando networking orgânico e visão 360º do pavilhão, desenho que aproxima decisores e encurta agendas.

Redimensionamos o espaço para ficar mais acolhedor, mantivemos o público e a percepção melhorou muito”, contou Perez. “A curadoria é um diferencial: Banco Central, CVM, SUSEP, Ministério da Fazenda, liderança do Open Finance e principais fintechs. Tem viés regulatório, claro, mas trouxemos negócios e internacionalização para conectar oferta e demanda.”

Tendências: a guinada B2B e a força do crédito digital

No mosaico de tendências, a guinada B2B saltou aos olhos — em parte por CAC menor e escalabilidade mais previsível do que no B2C; em parte, pela fase do ciclo de funding.

No B2B, com poucos contratos você enxerga resultado e ajusta mais rápido”, avaliou. “B2C exige caixa robusto para aquisição e grandes amostras. Os casos estrondosos costumam ser B2C, mas não é regra de valor: há B2B bilionárias.”

Outro deslocamento importante é setorial: pagamentos, tradicionalmente o maior bloco da associação, perdeu a liderança para o crédito digital nos últimos 2–3 anos.

Crédito empatou e depois ultrapassou pagamentos. Além do crédito bancário, cresceu o crédito privado regulado pela CVM. Ajustes como no crowdfunding alavancaram emissões; saímos de R$ 200–300 milhões/ano para R$ 1,7–2 bilhões/ano. Some‑se a juros reais altos e procura por alternativas.”

Por que somos destino estratégico

Se a conjuntura local pressiona, a vitrine internacional atrai. Perez descreveu o Brasil como destino natural de expansão: dimensão continental, 200+ milhões de habitantes e PIB trilionário, combinação rara que reduz custo de aprendizado e acelera escala.

Poucos países checam os três itens”, afirmou. “Por isso Wise, Revolut e grupos chineses como a Ant olham para cá. Conquistar o Brasil já posiciona o player globalmente.”

Os ecossistemas também variam por cultura. “Nos Estados Unidos, a Costa Leste tende a colaborar com bancos; a Costa Oeste é mais disruptiva. Na Europa, o foco é regional — soluções que funcionem no ambiente comunitário. Na França, há ponte forte com países africanos francófonos: cross‑border e adaptação de produtos à realidade africana.”

Fintouch como foro de voz coletiva

A entrevista fecha com um convite: associar‑se e engajar‑se. A ABFintechs mantém portas abertas para fintechs, provedores e mantenedores; os grupos setoriais se aqueceram nas últimas semanas.

A palavra ‘fintech’ nunca foi tão buscada no Google Trends”, relatou. “Engajamento aumentou. A associação é ambiente seguro para transformar revolta em estratégiaorganizar argumentos, protocolar ofícios e dialogar com reguladores.”

O exemplo mais recente veio do crowdfunding: um ofício‑circular da CVM passou a exigir agente fiduciário em ofertas de securitização. “O custo é alto e poucos agentes entendem a dinâmica. Organizamos o setorial, enviamos um documento técnico; a CVM nos sinalizou que o tema pode voltar ao colegiado e à consulta pública. Enquanto isso, o entendimento vigente segue — mas a porta de revisão está aberta.”

O BC quer ouvir o mercado”, reforçou Gabriel no fechamento. “Mas precisa ouvir de forma organizada.” Perez endossou: “Participem. É assim que garantimos que o setor seja ouvido e que o país colha os benefícios de um mercado mais competitivo, seguro e inclusivo.”

Gabriel Rios

Editor-chefe

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.