
No maior evento de inovação financeira do Brasil, o Fintouch 2025, a arena de conteúdo virou termômetro das próximas ondas do mercado. Em um episódio especial do Let’s Money Podcast gravado no evento, Marcos Cavagnoli, Diretor de Produtos do Bradesco, abriu os bastidores da priorização em uma instituição de grande porte e projetou o que vem aí em pagamentos, crédito e dados. A conversa, conduzida por Gabriel Pereira, partiu de um ponto simples, como escolher onde colocar recursos, e foi costurando regulação, produto e timing.
“Priorização sempre é um desafio porque você vive num ambiente de recursos restritos. Eu motivo as equipes a enfileirar as iniciativas por impacto. Se algo novo tem mais impacto que o último do backlog, troca. E não é só ganho direto: NPS, principalidade, lifetime value sobre CAC e mitigação de risco (regulatório, segurança) também contam”, disse Cavagnoli.
A jornada do executivo ajuda a explicar o método. Ele passou por bancos internacionais, empreendeu por quase uma década em fintechs e, desde 2019, voltou a bancos de rede — hoje, no Bradesco, com um portfólio que vai de câmbio PF à conta digital internacional (My Account), crédito PF, PIX, transferências, conta corrente, gestão de liquidez e iniciação de pagamento.
“Aprendi a tomar decisões racionais em escala internacional e, nas fintechs, a operar com orçamento curto, risco na mão e ciclos de aprendizagem curtos”, resumiu. “Esse mix banco‑global + fintech me ajuda a desenhar equipes e produtos que executam no curto e já estão posicionados para a próxima onda.”
Fintouch, impacto e backlog: como o Bradesco decide onde apostar
No palco do Fintouch, a pergunta que todo gestor faz (e raramente responde em público) apareceu: como ponderar regulação, produto e resultado?
“Tem blocos de impacto mais fáceis de medir, receita incremental, redução incremental de custo, risco financeiro por não cumprir obrigações. Mas há ganhos que não estouram na sua alçada: às vezes o seu produto faz outra área capturar valor. Na visão do todo, você precisa maximizar o impacto da empresa, não apenas da sua caixinha.”
O pano de fundo é um mercado em mutação acelerada, puxado por agendas do Banco Central que, além de modernizar, aumentam a competição. A cada trimestre, mudanças se sobrepõem: família PIX, Open Finance (dados, iniciação, portabilidades), duplicatas e garantias, estáveis, BaaS. O desafio é não apenas “cumprir requisito”, mas transformar regulação em alavanca de diferenciação.
“Você tem que atender ao regulatório e, ao mesmo tempo, usar o movimento para criar algo melhor para o usuário. É atender o básico e ir além com jornadas mais simples, ofertas mais aderentes, melhor reconciliação.”
Fintouch em foco: PIX agora e o que vem depois
No curto prazo, Cavagnoli vê “impacto mais imediato” em modalidades de crédito via instant payments. “PIX parcelado e PIX Crédito devem ganhar tração. Há várias formas de manifestá‑los: via fatura de cartão, via limite de conta ou linhas. Para cada contexto de cliente, existe a solução mais adequada — às vezes é PIX Crédito, às vezes cartão, às vezes até TED no mundo PJ. A obrigação do banco é oferecer a melhor combinação para aquele contexto.”
O executivo também destacou a agenda de PIX Automático, ajustes do PIX Parcelado e discussões sobre “PIX como garantia”. “Não é difícil imaginar, em três ou quatro anos, pagamentos instantâneos internacionais ganhando corpo. Se no Brasil eu transfiro em segundos e na Índia também, por que o cross‑border leva dias? Veremos integração entre sistemas de instant payments, possivelmente com mensageria e, quem sabe, estáveis como intermediários.”
Open Finance: portabilidade e dados como infraestrutura de produto
Além dos pagamentos, a pauta de Open Finance avança com portabilidade de crédito e novas camadas de dados e iniciação. Para Cavagnoli, a oportunidade está em orquestrar jornadas onde o cliente enxerga valor real, mesmo quando o ROI direto é difuso.
“Portabilidade de crédito via Open Finance deve ganhar força. Há iniciativas cujo retorno é menos tangível no começo, como extratos e iniciação, mas que elevam principalidade, NPS e retenção. Olhando o P&L do banco como um todo, compensa.”
A visão conecta produto e regulação ao desenho organizacional. Equipes densas em conteúdo de produto, com radar ligado para movimentos de concorrentes e do regulador, e uma célula dedicada de estratégia regulatória formam o núcleo de execução.
“O segredo é executar o hoje sem ser atropelado pelo amanhã. Defina 20–30% do tempo em projetos de médio prazo e mantenha monitoramento ativo do longo prazo. É como surfar: você precisa nadar antes para pegar a onda — senão, leva caixote.”
Do global ao early‑stage
Parte da conversa no Fintouch foi uma aula prática de carreira aplicada a produto. A vivência em bancos internacionais ensinou a disputar prioridade entre países e a usar experiências de outros mercados. Já a temporada em fintechs deu precisão e resiliência para operar com pouco, conversar com investidores e ajustar ciclos em tempo real.
“Às vezes, em fintech você lida com valores absolutos menores, mas aprende mais: precisão no investimento, entendimento de retorno, linguagem com investidor. É fio desencapado — menos resiliência a choques —, mas a escola é poderosa.”
De volta a bancos, o objetivo é costurar esses aprendizados em estruturas de escala. “Quando você combina, de forma estratégica, o melhor de cada ambiente, os ganhos não são triviais. É isso que procuro fazer quando desenho minhas estruturas.”
No encerramento da entrevista, Cavagnoli ligou o presente ao espírito do evento: um ecossistema que floresce quando grandes bancos e startups trocam experiências — competindo onde faz sentido e colaborando no resto.
“É uma sensação muito positiva ver o ecossistema brasileiro florescer. Quando trocamos informação, os produtos ficam melhores e mais resilientes. Isso é bom para pessoas físicas, jurídicas, reguladores. A combinação de competição e colaboração melhora o mercado como um todo.”
No Bradesco, essa ponte ganha endereço: o Nova Abra, ambiente dedicado à inovação e startups. “Convido quem quiser conhecer o Nova Abra. É um espaço de cocriação — aprendemos, fomentamos e, às vezes, construímos juntos.”
Fintouch como palavra‑guia
O recado no bate-papo durante o Fintouch é simples e prático: usar a “onda regulatória” como trilho para criar experiências mais eficientes, compreensíveis e úteis. Isso passa por melhorar a apresentação de informações (como o extrato, ambiente de reconciliação do cliente), preparar times para ciclos contínuos de mudança e testar, com responsabilidade, novas arquiteturas (split payments, garantias, estáveis) que elevem o valor percebido.
“Split payments pode ter impacto enorme. Vai exigir mudanças em boleto, PIX, TED e, principalmente, na forma como o extrato resume a informação. O extrato é onde o cliente se entende — não é um ambiente transacional, é informacional. Toda novidade precisa aparecer de maneira organizada.”
O recorte é claro: PIX Crédito e parcelado como impacto imediato; Open Finance como infraestrutura de portabilidade e iniciação; estáveis e instant payments internacionais como horizonte; e times preparados para “surfar a onda” sem perder o fôlego.
“Para certos contextos, PIX Crédito é a melhor jornada; para outros, cartão; e, no PJ, ainda há quem prefira TED. A obrigação do banco é dar a melhor solução para cada combinação de contexto. Se fizer isso direito, você rentabiliza e o cliente percebe valor.”