Entrevista

Mercado de recebíveis trilionário impulsiona crédito ao varejo

Mercado de recebíveis trilionário cresce no Brasil e se torna peça-chave para ampliar acesso a crédito mais barato no varejo

Foto: Abner Garcia / Let's Money
Foto: Abner Garcia / Let's Money

O mercado de recebíveis de cartão de crédito (RCCs) movimenta atualmente cerca de R$ 3,3 trilhões no Brasil e deve alcançar R$ 4,1 trilhões em 2024. Pelo menos é o que garante Rafael De Martino, fundador e CEO da PaySales, durante entrevista para o Let’s Money Podcast. O crescimento anual, acima de dois dígitos, consolida o setor como uma das principais engrenagens do sistema financeiro, mesmo com o avanço do Pix.

“É um mercado trilionário de R$ 3,3 trilhões, é a estimativa que a gente tem de registro de recebíveis no mercado neste momento. E é claro que só cresce, né? Para você ter uma ideia, só pra trazer um dado: em 2016, o mercado era de R$ 1,6 trilhão. Em 2024, a projeção é de R$ 4,1 trilhões. Isso sem considerar o Pix. De 2023 para 2024, o mercado cresceu mais de 10%. Então, vem crescendo dois dígitos há muitos anos.”

A dinâmica é simples: todo pagamento realizado no cartão gera um recebível, que pode ser antecipado pelo lojista ou usado como garantia em operações financeiras. Esse mecanismo, que antes ficava restrito às próprias adquirentes, ganhou novas camadas de competitividade com a regulação do Banco Central. A criação das registradoras e a interoperabilidade entre sistemas deram transparência ao processo e abriram espaço para a livre negociação desses ativos.

Mesmo com a ascensão do Pix, o uso do cartão de crédito se consolidou como motor desse crescimento. Rafael reforçou que, além da escala, há uma mudança estrutural no setor:

“O cartão de crédito não vai acabar. Quem tem cartão, tem benefícios: paga depois de 30 dias, tem retorno do emissor, pode parcelar. Isso mantém o crescimento. O que a gente vê é que o mercado de recebíveis ganhou musculatura, e hoje o lojista pode usar esse ativo de formas muito mais inteligentes. Não precisa antecipar tudo de uma vez, pode escolher o que antecipar, negociar taxas melhores e até usar o recebível como garantia. Esse é o ponto que muda o jogo para o varejo.”

Do duopólio às novas oportunidades no mercado de recebíveis

Há 20 anos, os lojistas tinham poucas opções: o duopólio das adquirentes limitava a negociação de taxas e a antecipação ficava concentrada em poucos players. A entrada de novos competidores e a posterior aquisição das adquirentes pelos grandes bancos mudaram esse cenário. Hoje, os recebíveis são registrados em entidades como B3, CERC, TAG e Nuclea, permitindo que fundos, securitizadoras e instituições financeiras acessem diretamente esses ativos.

Segundo Rafael de Martino, economista com duas décadas de experiência no setor, “o mercado é gigante, trilionário e ainda é pouco explorado, principalmente por quem detém o poder sobre o recebível, que é a padaria, que é o supermercado”. Para ele, os lojistas agora têm a oportunidade de negociar de forma mais flexível, reduzindo custos e fortalecendo o caixa.

“Dentro da maquininha, o lojista já sabe qual é a taxa, qual é o prazo e quanto vai receber. Ninguém vai ficar sem dinheiro. O ponto é que agora ele tem a possibilidade de conseguir uma taxa melhor e, muitas vezes, antecipar somente o valor que realmente precisa. Isso dá fôlego para o caixa e muda a lógica da relação com as adquirentes.”

Um mercado que vai além da antecipação de recebíveis

Mais do que capital de giro, os RCCs se consolidam como instrumentos de pagamento e garantia. Um recebível pode ser usado para quitar fornecedores, pagar aluguel ou servir como colateral em contratos de crédito. A versatilidade amplia a relevância desse ativo e reforça sua importância para o funcionamento do varejo.

O futuro aponta para a expansão desse modelo: duplicatas escriturais, Pix parcelado e benefícios corporativos (como VA e VR) devem seguir a mesma lógica, tornando-se registráveis e negociáveis. Essa tendência deve aumentar ainda mais a liquidez do sistema e criar novas possibilidades de financiamento para empresas de diferentes portes.

“O sucesso do modelo dos recebíveis foi tão grande que o Banco Central está fazendo praticamente um Ctrl-C, Ctrl-V para as duplicatas escriturais. E inevitavelmente tudo que for meio de pagamento vai ser registrado: Pix parcelado, VA, VR. Isso traz mais transparência, reduz fraudes e injeta liquidez no sistema. A lógica é simples: se o ativo está registrado, ele pode ser negociado. E isso abre um universo de possibilidades para lojistas e para o mercado financeiro como um todo.”

Gabriel Rios

Editor-chefe

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.