
Os pagamentos internacionais deixaram de ser sinônimo de espera, taxas imprevisíveis e pouca visibilidade. A combinação de APIs, liquidez local e leitura fina do regulatório está encurtando prazos e custos. Na conversa com Christina Hutchinson, General Manager da Nium no Brasil, no Let’s Money Podcast, a tese fica clara: fazer o cross-border parecer doméstico sem abrir mão de controle de risco.
“Sete dias para não saber se vai receber e nem quanto vai receber não é um mercado muito eficiente.”
Pagamentos internacionais: a virada do modelo tradicional
Durante anos, o trilho dominante foi o da mensageria padronizada entre bancos correspondentes — eficiente para o que havia, lento para o que o mercado passou a exigir. A onda de fintechs trouxe a pressão por clareza de tarifas, tracking de ponta a ponta e entrega em tempo quase real. Esse choque de expectativas abriu espaço para novos arranjos operacionais.
“No meu momento de SWIFT, era o mercado monopolista. Você sabia que quando o dinheiro voltasse, voltaria menor e sem saber exatamente por quê.”
A leitura de Christina sobre a transição é pragmática: gigantes legaram governança e disciplina; as fintechs adicionaram velocidade e experimentação. A combinação, quando bem amarrada, virou padrão-ouro.
“Grandes corporações te dão processo; fintech te obriga a dinamismo. Se você não trouxer os dois — governança e leveza — pagamento instantâneo vira só slide bonito.”
Global com alma local
Para que um pagamento cruze fronteiras como se fosse doméstico, não basta tecnologia; é preciso “falar a língua” de cada mercado, do câmbio ao compliance, da licença ao esquema local de liquidação. É aqui que o desenho operacional da Nium ganha tração.
“Um dos sucessos é ser uma empresa global com alma local. Preciso entender o regulatório de cada país, saber até onde posso ir, quando preciso de um parceiro que atue em meu nome e como me conecto direto para reduzir custo e risco.”
Essa alma local sustenta a promessa de capilaridade com uma única integração. “Somos API-first. Uma tecnologia única permite ao cliente se conectar uma vez e capilarizar pagamentos em múltiplos mercados.”
Como fazer o cross-border parecer doméstico
O “truque” por trás de um Brasil→Portugal quase em tempo real é uma engrenagem invisível ao usuário final: orquestração de API, tesouraria com liquidez local e acesso ao trilho instantâneo do destino. No fim, a ordem internacional aterrissa como crédito doméstico.
“Embora para você a trajetória seja internacional, eu uso minha presença local para realizar o pagamento como se fosse doméstico e isso exige tesouraria eficiente e dinheiro local nos lugares certos.”
O câmbio acontece no meio do caminho e, se tudo estiver bem calibrado, o usuário só percebe que funcionou. “O pagamento instantâneo é a ponta visível de um iceberg de operacional, tecnologia e regulatório. Só aparece rápido porque muita coisa está pronta por baixo.”
Segurança antes do “agora”
A lógica “quero na hora” virou expectativa. Ainda assim, Christina bate numa tecla: instantaneidade não pode atropelar o pilar de risco. Em B2B, a corresponsabilidade legal cruza fronteiras e qualquer atalho custa caro.
“O instantâneo não pode sobrepor segurança. Quanto mais global a gente está, maiores os riscos sem fronteiras.”
Quando a operação destoa de padrões, entra o freio de mão pela própria Nium, por bancos parceiros ou pela régua do regulador local.
“Se um comportamento sai da curva, a transação pode ser interrompida para checagem. Não é falta de liquidez nem tecnologia — é proteção.”
Casos de uso que pagam a conta
No turismo, marketplaces usam cartões virtuais para acertar fornecedores mundo afora, reduzindo fraude e facilitando reconciliação.
“Uma Booking da vida cria cartões virtuais emitidos por nós para pagar hotel, carro, parceiro. É mais rápido, tem menos fraude e fecha o financeiro sem dor.”
No payroll global, empresas como Oyster e Remote liquidam salários em dezenas de países a partir de uma mesma infraestrutura, respeitando leis locais e moedas diversas. “Eu tenho o meu cliente e ajudo o cliente do meu cliente. Até aí. Não vou ao ‘cliente do cliente do cliente’ se não consigo rastrear a jornada do dinheiro.”
No e-commerce, marketplaces retêm a comissão e repassam para fornecedores internacionais, muitas vezes na Ásia, cuidando de câmbio e prazos.
“Você compra na Amazon e recebe sua confirmação. Por trás, alguém está recebendo do Brasil e pagando um fornecedor na China — com a moeda certa, no tempo combinado.”
No universo de streaming e creators, a escala é outro desafio. “Você acha que é o YouTube que te paga. Por trás, é um provedor capilarizando milhares de pagamentos ao mesmo tempo em vários países.”
Avanço com régua alta
O marco cambial reduziu atrito e ampliou a competição, mas o jogo continua exigente. Tipo de operação, contrato de câmbio, limites e comprovação documental seguem no checklist e a conta de transparência cai na instituição que executa.
“O Brasil é bem regulado e o cross-border é muito bem amarrado. O Banco Central dá liberdade e cobra transparência. Nunca tente burlar câmbio.”
Pagamentos internacionais via API única
Comparado ao carrossel de bancos correspondentes, falar com um único provedor simplifica status, acerto de exceções e governança de SLA.
“Quando você fala com um provedor só e uma tecnologia só, na prática substitui vários correspondentes por uma conversa única — com um ponto de verdade para tudo.”
E quando algo sai do trilho, a cadeia de resolução encurta. “No modelo antigo, seu banco A dependia do B, do C e do D para te responder. Aqui, você chama a Nium e a resposta volta.”
O salto do P2P para o B2B exige outra musculatura de risco, fraude e compliance. Subestimar essa parte é receita para dor de cabeça, especialmente na era da IA generativa.
“Você só entende o impacto quando passa pela dor. Não seja ingênuo: segurança, risco e compliance não são opcionais e precisam evoluir no mesmo ritmo da fraude.”
O que vem aí
Stablecoins, IA aplicada e interoperabilidade desenham o próximo capítulo. No pano de fundo, mais países adicionam trilhos de tempo real ou instantâneo e o Open Finance reforça a competição.
“A interoperabilidade não chama atenção, mas é essencial para processos mais transparentes e homogêneos. Vejo o Brasil como pioneiro. Pagamentos estão no nosso dia a dia e a tecnologia certa melhora a vida do usuário final.”
Liderança: empoderar sem vitimismo
Christina também fala da cadeira de liderança e de como atravessou o machismo implícito sem romantizar nem se vitimizar.
“Já fiquei esperando reunião porque o executivo achava que ‘Chris’ era homem. Ele não cogitou que a líder fosse mulher. Sou otimista: toda transformação exagera o pêndulo e depois encontra equilíbrio. Empoderamento, não vitimismo.”
No fim, o que importa é simples: cair na conta certa, no tempo combinado, pelo preço combinado e com provas para quem precisa validar. O usuário vê o crédito chegar; o que ele não vê é o maquinário que sustenta essa promessa: API única, parceiros locais, licenças, tesouraria e um time obcecado por risco.