
O Open Finance no Brasil entrou em fase de maturidade. Depois da largada com dados e iniciação de pagamentos, o Banco Central ajustou processos, elevou a régua de monitoramento e agora empurra o ecossistema para casos de uso concretos — de Pix por aproximação a portabilidade de crédito. No episódio do Let’s Money Podcast, Matheus Rauber, chefe de subunidade no Departamento de Regulação do BC, abre os bastidores: como o time decide prioridades, o que já mudou na rotina do consumidor e o que ainda está em construção.
“A regulação está ficando cada vez mais próxima do mercado… É uma equipe realmente multidisciplinar que faz tudo.”
Brasiliense e economista pela UnB, Rauber entrou no Banco Central em 2012, vivenciou o ‘boom’ das fintechs (IPs, SCDs, SEPs, sandbox) e migrou para o Open Finance em 2022. A partir daí, viu de dentro a mudança de postura: menos norma distante, mais implementação “mão na massa”, em squads com regulação, supervisão, TI e comunicação trabalhando lado a lado, tal como aconteceu em Pix e agora em Drex.
“Mais no passado você regulava, a supervisão acompanhava; isso mudou. A gente está vivendo o dia a dia. Regulação, supervisão, TI e comunicação trabalham juntos na implementação.”
Open Finance: do ‘freio de arrumação’ ao cronograma bienal
Rauber chegou no meio de um ajuste fino. Depois do compartilhamento de dados (2021) e do início da iniciação de pagamentos, vieram os problemas de interconectividade. Em julho de 2022, a Resolução Conjunta nº 4 formalizou a atribuição de monitorar o ecossistema; era a base para sair do improviso e entrar no controle. Com isso, o BC passou a publicar prioridades em janelas anuais e, agora, bienais, porque um produto “do zero” leva, em média, um ano e meio para sair do papel.
“A gente ‘segurou’ novas entregas para corrigir interconectividade. E aprendemos: um produto novo, do zero, tem levado cerca de um ano e meio.”
Lançamentos de 2025 e o que vem na fila
O ano trouxe duas âncoras: Jornada Sem Redirecionamento (JSR) no fim de fevereiro e Pix Automático em meados de junho. Em paralelo, seguem melhorias de documentação, APIs e a expansão da própria JSR (incluir PJ, desktop e o próprio Pix Automático). Na calha, três apostas: Jornada Otimizada (consentir pagamento e saldo numa tacada só), CIBA (autenticação assíncrona por push para reduzir abandono) e o foco em PJ (GT dedicado para aumentar conversão e qualidade de dados).
Pix e Open Finance correm juntos. Um alimenta o outro. O Pix por aproximação colocou a iniciação na rua: basta o celular desbloqueado e aproximar para capturar o QR via NFC — o valor aparece no visor do aparelho, o cliente autoriza e pronto. No pano de fundo, a JSR impulsiona volume: agosto passou de R$ 1,3 bilhão em transações iniciadas por Open Finance.
“Com o Pix por aproximação, o valor aparece no seu celular antes da autorização. É mais seguro e transparente.”
O Pix Automático pode ser oferecido pela instituição detentora da conta ou por um ITP. Para quem paga, a jornada é praticamente a mesma; para quem recebe, muda a flexibilidade. Via ITP, dá para trocar a conta de recebimento ou dividir o fluxo entre bancos sem recontratar tudo do zero — algo valioso para PJs com múltiplos relacionamentos.
“Quando é o ITP que oferece, a empresa pode mudar a conta de recebimento — ou dividir entre várias — com muito mais agilidade.”
Da vitrine ao ‘marketplace de crédito’
O Pix Parcelado já existe no mercado; o D100 trabalha a padronização da experiência. Em paralelo, o BC pediu estudo de modelo para atuação de ITPs: a ideia é que o cliente compare ofertas de parcelamento no checkout — uma semente de marketplace de crédito que exige, por baixo, consentimentos bem orquestrados (como o da Jornada Otimizada) para exibir saldos e condições em tempo real.
“É a sementinha do marketplace de crédito: o cliente vê ofertas de parcelamento e escolhe a melhor na hora.”
O grande salto é incluir portabilidade de crédito no próprio Open Finance. A primeira etapa (crédito pessoal sem garantia) tem testes em produção previstos para novembro/25 e go-live em fevereiro/26; depois, vem o consignado. O processo tradicional já ficou mais eficiente com dados do Open Finance (saldo devedor correto, menos idas à agência, menos erro). Integrado ao ecossistema, deve cair de cinco para três dias úteis.
“Com dados, a portabilidade tradicional já melhorou; via Open Finance, a meta é reduzir de cinco para três dias úteis.”
Decentralização traz potência e complica monitoramento. A resposta veio com a IN 441 (dez/23) e a versão 2 (dez/24), criando um manual de monitoramento que acompanha disponibilidade e desempenho de APIs (SLA), prazos de tickets, guias de experiência do cliente e qualidade de dados. O motor captura inconsistências óbvias, mas diferenças “plausíveis” (ex.: saldo de R$ 90 vs. R$ 100) ainda dependem de ticket e investigação.
“Não dá para deixar a discussão andar anos sem sair nada. Regulamentamos o monitoramento e subimos a barra de SLA, ticket e qualidade de dados.”
Para lidar com conversão baixa, o BC criou uma métrica endógena: calcula o patamar mínimo com base nas três melhores instituições e cobra diagnóstico de quem fica muito abaixo. O objetivo é separar falhas técnicas de problemas de jornada (confusão, insegurança, excesso de fricção), gerando um ciclo de melhoria contínua.
“Quem fica muito abaixo da taxa mínima precisa apresentar diagnóstico: o que está acontecendo na sua jornada?”
O crescimento de ITPs entre os maiores receptores de dados acendeu alertas. O BC não quer matar o modelo — há casos de uso legítimos —, mas vai “amarrar” melhor: finalidade clara, transparência (o cliente saber para quem e para onde os dados vão), duração coerente (KYC não justifica consentimento indeterminado) e regras proporcionais ao risco (capital mínimo e prudencial calibrados também ao fluxo de dados, não só a pagamentos).
“Tem coisa interessante sendo feita, mas é preciso reforçar finalidade, transparência e duração — e subir o requerimento prudencial de quem lida com dados.”
Open Finance: resultados que já aparecem no bolso
Semestralmente, o BC coleta números com as instituições. O placar parcial impressiona: ~R$ 30 bilhões em crédito originado com base em dados; ~R$ 31 bilhões movimentados em investimentos; ~R$ 18 milhões em economia por notificações (ex.: alerta de cheque especial para ação imediata). A análise agora sobe de nível, com estudos econométricos que cruzam dados agregados do Open Finance com o SCR para medir impacto em competição, eficiência, inovação e inclusão.
“Casos de uso são a melhor métrica: é ali que se vê competição, eficiência, inovação e inclusão crescendo de verdade.”
Com consentimentos de longa duração (e a tendência de crescer junto com pagamentos), o cidadão precisa de um espelho confiável. O BC estuda incluir, no Registrato, a lista de instituições para as quais cada CPF deu consentimento, ajudando o usuário a enxergar e gerenciar suas autorizações e permitindo ao regulador medir CPFs únicos com consentimento ativo.
“O Registrato pode mostrar para quem você deu consentimento — e, para nós, trazer a estatística de CPFs únicos com autorização ativa.”
A Associação Open Finance Brasil, formalizada pela Resolução BCB 400 (2024), ganhou CNPJ, diretoria e equipe (c. 70 pessoas, com plano de chegar a ~110). Isso profissionaliza GTs, ferramentas, monitoramento e comunicação — vide a campanha Mais Poder Pra Você — e, por tabela, permite ao BC elevar a exigência de performance e conformidade.
“Com a Associação ganhando corpo, o monitoramento melhora e a cobrança sobe para a inovação chegar, de fato, na ponta.”
A agenda 25–26/27 é longa, mas o recado é curto: o BC quer estar perto do mercado, acessível e firme nas premissas — flexível quando faz sentido, inflexível quando a execução pede prumo.
“O Banco Central está presente e acessível sempre trabalhando para aprimorar o ecossistema de Open Finance e cumprir os objetivos de inovação, competição, eficiência e inclusão.”
No fim, a régua é simples e alta. O Open Finance precisa somar conveniência (menos cliques, mais conversão), segurança (consentimento com propósito, dados com guarda) e impacto real (juros menores, portabilidade mais ágil, pagamentos mais fluidos).
O que já chegou muda comportamentos; o que vem na fila — Pix Automático ganhando tração, JSR/PJ amadurecendo, CIBA destravando conversões, portabilidade no trilho — aponta para um ecossistema mais competitivo e, sobretudo, mais útil no cotidiano do brasileiro.