Foto: Abner Garcia / Let's Money
Foto: Abner Garcia / Let's Money

Para o advogado e autor Daniel H. C. Alvarenga, o Open Finance virou um pilar do sistema financeiro no Brasil. Com um Banco Central proativo, a combinação de dados abertos, novas licenças e pagamentos instantâneos acelera concorrência, inclusão e segurança, enquanto a regulação do BaaS mira transparência e proteção ao consumidor.

A régua subiu para todos. Alvarenga viveu os três lados da mesa — defesa do consumidor, bancos incumbentes e, hoje, novas entrantes — e transformou essa visão em manuais práticos que destrincham normas e princípios. O foco: entender a motivação do regulador para não travar inovação por leitura literal.

O Open Finance é um novo pilar do mercado financeiro. O BCB trouxe a agenda BC+ para reduzir juros, spread e concentração. A regulamentação precisa proteger o consumidor, mas não pode abafar a inovação.”

Open Finance, princípios e execução

No Open Finance, a letra da norma anda junto com seus princípios. O desenho brasileiro exige padrões técnicos e governança entre bancos, IPs, SCDs e SEPs, e isso evita o ‘cada um por si’. Segundo Alvarenga, quando incumbentes tentaram usar a literalidade para frear o fluxo de dados, prevaleceu o espírito da lei.

“Durante a implementação, muitos incumbentes apelaram à interpretação literal para atrasar ou reduzir o compartilhamento. A resposta vinha dos princípios do Open Finance: competição, portabilidade e benefício ao usuário.”

A credibilidade do regulador também conta. Na comparação internacional, o Banco Central do Brasil não apenas adaptou práticas de fora, como pagamentos instantâneos, mas executou com escala e desenho próprios. Isso atrai atenção lá fora e dá previsibilidade aqui.

Temos um excelente regulador. Lá fora, a inovação costuma vir do mercado e o regulador freia. Aqui, o BC puxou a fila: Pix, Open Finance, sandbox. A motivação? Abrir concorrência e manter a rigidez do sistema.”

Open Finance e dados que viram mercado

O arranjo brasileiro pavimenta desdobramentos: estáveis digitais, duplicatas escriturais e crédito com análise mais fina. A lógica é simples: dados com consentimento, padronizados e auditáveis, viram incentivo para competir melhor por preço e serviço, não por fricção.

Open Finance constrói um novo mercado. Com tudo escriturado, diminui a ‘duplicata fria’, melhora a avaliação de risco e abre espaço para produtos que ainda nem existem.”

A portabilidade de crédito é exemplo direto. Em vez de ficar preso à primeira oferta, o cliente pode comparar propostas e forçar juros para baixo. A disputa vira vantagem do usuário e dor para quem não é eficiente.

Portabilidade permite consultar dezenas de instituições. O banco atual pode até fazer contraproposta, mas a concorrência real tende a reduzir taxa e alongar prazo.”

Nos trilhos do Pix

Do lado dos pagamentos, a evolução prática é concreta. O Pix Automático promete derrubar barreiras do débito em conta (convênios múltiplos e custo alto), e o Pix Parcelado aproxima pagamentos instantâneos de um instrumento de crédito, com recebíveis e regras próprias.

O débito automático custa R$ 0,40; o Pix Automático sai a R$ 0,03. Uma academia de bairro não precisará de convênios com quatro bancos: um único arranjo, experiência simples e dinheiro em conta.”

O regulador deixou portas abertas para tecnologias futuras, sem reescrever tudo a cada novidade. A ideia é iterar, testar e ajustar rápido, como já acontece com o Pix, que acumula normativos e melhorias contínuas. “É filosofia de ‘testar, validar e implantar’. Em vez de esperar anos pela regulação perfeita, corrige-se em ciclos curtos e o mercado inteiro aprende junto.”

Foto: Abner Garcia / Let’s Money

BaaS, contas-bolsão e proteção do usuário

A regulação de Bank as a Service nasce de dois incômodos: contas-bolsão (CPFs “escondidos” sob um CNPJ) e a opacidade sobre quem, de fato, é a instituição regulada por trás de uma fintech. O objetivo é cortar risco de lavagem, sonegação e fraudes e dar clareza ao consumidor.

Contas-bolsão corroem a rigidez do sistema. Dificultam bloqueios judiciais e mascaram o verdadeiro titular dos recursos. O BaaS precisa de trilhos claros, com governança e transparência.”

Há um ponto sensível em consulta: limitar o tomador a um único provedor BaaS. Alvarenga defende ajustes para garantir resiliência e especialização sem tornar a supervisão inviável. “Seria desejável permitir pelo menos dois provedores: um pode ser melhor em cartões; outro, em crédito. Supervisão importa, mas não podemos sacrificar redundância e qualidade.”

IA como ferramenta do jurídico regulatório

A inteligência artificial já mudou o trabalho consultivo. Para dúvidas cirúrgicas, respostas chegam em minutos e isso pressiona prazos e preços. O fator humano segue crítico para temas estruturantes e interlocução com o BC, mas ignorar a IA virou luxo caro.

A IA entrega retorno de alta qualidade muito rápido. No básico consultivo, ela vai tomar espaço. O jogo é trabalhar junto: usar IA para escala e reservar o humano para estratégia e diálogo regulatório.”

No fim, o recado é pragmático: leia princípios antes de decorar artigos. O Brasil tem um regulador ativo, metas claras (concorrência, inclusão, solidez) e uma infraestrutura que anda. Quem entende o ‘porquê’ por trás das regras se antecipa — e lança produto certo, na hora certa.

Motivações e princípios destravam a prática. Quando o dado vira benefício direto, preço melhor, menos atrito, decisão mais justa, Open Finance deixa de ser buzzword e vira rotina.”

Gabriel Rios

Editor-chefe

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.

Formado em jornalismo pela Universidade Federal da Bahia, também realizou o curso de Jornalismo Econômico do Estadão. Foi editor do BP Money e repórter do Bahia Notícias.